Após os créditos

Acho que deve ser a milésima vez que escrevo sobre isso, sem hipérbole. Não sei cultivar amigos.

Ah, de novo com essa história? Sim, de novo. Até eu entender a razão disso, escreverei. Minha terapeuta falou isso.

Minhas amizades começam aos poucos, muito desconfiada. Depois que entendo como é a pessoa, de forma sedutora (não encontrei outra palavra) faço uma boa amizade. Mas... Eu sou melhor amiga na dor que na folia, pois como na folia, uma hora é tudo colorido, permitido, exuberante até que vem uma coisa cinza e acaba. Eu acabo, eu simplesmente termino o que não tava nem com cara que havia parado. E termino bruto, frio e com força. Costume. Não, não sinto prazer nisso eu simplesmente me sinto na obrigação de fazer, é um fator incontrolável. Acho que o medo de magoar os outros ou de ser magoada é tão grande, que deixo ele me levar e já arregaço minhas manguinhas e tomo posição: é o fim desse relacionamento.

Termino amizades igual se fecha uma lanchonete. Não sei bem como é isso pois nunca fechei uma lanchonete. Ah, melhor, termino amizade como se fosse no cinema e num filme ótimo. Sabe aquele filme que realmente te pega e você se vê em outra dimensão na qual a realidade é questionável? Que você mal sente seu corpo e raciocínio, e fica estático ali? Assim é amizade comigo (Sim, mandei a humildade pras cucuias); mesmo depois dos créditos você está ali inerte, pensando como sua vida pode mudar se colocar em prática aquilo que viu no filme. Até que as portas se abrem, a luz é acesa e você volta pro mundo real. Quando vê tem uma pessoa na porta já exausta pois pra ela aquele serviço é cansativo e ela já viu aquilo acontecer várias vezes: Gente reclamando do filme, gente falando que tal atriz é superestimada, gente dizendo que é o melhor filme que já viu e gente pensando seriamente em mandar um e-mail pro diretor artístico pois o projeto de filme é pior que esterco. Tais pessoas são as quais minha amizade não deu certo, e eu to acostumada com isso. Mas ali está você, sentado ainda, não querendo ir embora, e eu na porta dizendo somente com o olhar- é hora de partir. E não me interessa se você amou o filme, se ele vai ficar no seu coração pra sempre, se com isso você vai mudar sua carreira ou plano de vida, se você tem dinheiro suficiente para assistir quantas vezes quiser... Você até pode, mas não na minha sala de cinema. Na minha sala quem manda sou eu e então faço você sair com meu silêncio, com meu olhar, com minha ausência. Aí cai sua ficha, você está na cadeira mais confortável, comeu a pipoca mais saborosa, não teve problemas com os outros pois no fundo, eu sabia que uma hora eu ia te mandar embora. Eu sempre mando embora. Pois no fundo eu sinto que se você olhar direito mesmo a melhor poltrona tem um furo, no telão tem um defeito que eu não consigo tirar, a porta tá enferrujada e exagerei na manteiga. No fundo sou uma farsa então pelo amor de Deus, vá embora.

Depois de você ir, limpo tudo, jogo coisas fora. Deixo tudo lindo.

Conheço pessoas novas e quando elas sorriem para mim, já ouço no meu coração:

Fique à vontade, a sessão já vai começar.

Uma hora o filme queima... O que será de mim?

Têia Agridoce
Enviado por Têia Agridoce em 25/02/2022
Código do texto: T7460311
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