Os alunos, os estudantes, os diretores... e os professores
Há pouco mais de 10 anos, em homenagem a meus alunos, no dia do estudante, escrevi um texto para minha coluna no jornal. O Título era: “Meus alunos” e, inclusive, fazia um esclarecimento inicial, dizendo que estava falando a respeito dos meus e não dos maus alunos.
Tempos depois numa outra oportunidade precisei explicar para meus alunos a diferença entre aluno e estudante. Demonstrei, nessa época, que nas escolas convivem as duas espécies, mas que nós, os professores, deveríamos dar atenção aos estudantes, pois estes são os que desejam crescer. Ao passo que os alunos só vão pra frente quando são empurrados. E, muitas vezes, usam nossa força em querer ajudá-los como desculpa para cair. E dizem que nós os derrubamos, que os empurramos com muita força. Mas, num caso e no outro é bom nos lembrarmos que pra quem não quer viver, o remédio pode ser usado como veneno. E aquele que se nega a morrer amarrado nem que seja por birra, teima em viver.
Mas agora a circunstancia é outra. Estou anotando minhas memórias. Memórias de professor.
E professor, como todos sabem, existe por que existem escolas e estudantes. Nem que a escola seja a vida e os estudantes os viventes. Neste caso minhas memórias me estão levando a alguns diretores das escolas por onde andei a lecionar.
Numa delas, nas aulas de filosofia, comentava algumas crônicas e sugeria que os alunos/estudantes adaptassem aqueles textos transformando-os em peças de teatro ou esquetes a serem apresentadas nas salas de aula. Os estudantes fizeram e os trabalhos ficaram uma graça. A arte (tema filosófico) releu vários textos e os recriou e a filosofia se fez. Alguns alunos, entretanto, não assimilaram a ideia e reclamaram com a direção da escola. E, de repente, lá estava eu. Diretor e supervisor de ensino de um lado, a me dizer que era pra seguir o programa de filosofia e não fantasiando a cabeça dos alunos. E eu tendo que explicar aquilo que Kant ensinou: filosofia não se ensina, mas se faz. E repensar um texto ressignificando-o é uma forma de pensar e criar pensamento.
Noutra oportunidade, numa outra escola. Outro diretor e mais alguns supervisores de ensino: “Professor, os alunos estão reclamando que o senhor não responde as perguntas deles. Dizem que quando fazem uma pergunta o senhor responde com outra...” E quando expliquei que minhas perguntas eram condutoras, com a função de fazer com que o estudante “pense com a própria cabeça” e construa sua resposta... nesse ponto fui interrompido com esta alegação: “Mas professor, eles não estão acostumados a pensar. Não adianta. Tem que fazer como todos os outros...”. Calei-me e pensando que Sócrates foi, mais uma vez, assassinado!
Mais recentemente, novamente o circo armado. A equipe toda dizendo que “os alunos estão reclamando que o senhor passa muitas tarefas. Muito deles nem sabem escrever direito”. Até aí tudo bem, pois o exagero, realmente pode ser muito!!! Mas antes do exagero tem a sensatez. O fato é que o discurso do diretor, foi mortal: “Nossos alunos não estão acostumados a ler, nem a fazer tarefas. Muito menos fazer dever de casa. Cobrar isso deles é perder tempo e arrumar problema. Eles reclamam... tem muita leitura pra fazer as tarefas...”
Mas eu entendo as reclamações. Primeiro porque Jesus não conseguiu satisfazer a todos e os insatisfeitos o mataram. Portanto, quem sou eu, se não um pobre mortal? Além disso, todos os meus (e não maus) diretores estavam defendendo os alunos. Não estavam preocupados com o aprendizado, mas com a estatística: “nesse ritmo serão mais de não sei quantos por cento de reprovados”. Cabe destacar que nenhum dos estudantes que eventualmente ajudei com minhas perguntas reclamaram, pois sabem que se estão diante de uma pergunta, estão diante de um conhecimento novo a ser absorvido na busca da resposta. Somente os alunos reclamaram dos meus métodos... Além disso, e o triste da coisa toda, é que o sistema – o circo do sistema escolar – está armado não para fazer frutificar estudantes, mas para semear a mediocridade dos alunos.
Por isso é que, nos tempos atuais, a escola não mais funciona como espaço de aprendizado. Pois nela não se pode mais ensinar a pensar. Tristes tempos são estes, nos quais aos professores é impedido o exercício de sua função.