Nóia Urbana
Terça de Carnaval.
Da varanda do apartamento de segundo andar via-se a festa rolando na praia, música, barulho e gente, muita gente.
No terreno baldio ao lado do prédio, vários carros estacionados, maior bagunça.
Manhã seguinte, tudo tranqüilo. Todos os carros já se foram com exceção de um Honda Civic preto, estacionado no terreno baldio. Sol forte das doze horas.
- Alguém se excedeu ontem. Tá dormindo até agora, em algum lugar.
Nova manhã e o estranho carro permanece ali, intocado, negro e misterioso. O reboliço se forma na varanda:
- Será que é carro roubado?
- Se o dono estivesse aqui já teria tirado o carro do sol, olha quanta sombra ali.
- Se continuar aí amanhã, vou ligar prá polícia.
Mais um dia e lá está o carro negro. Um misterioso monólito, monumento ao desconhecido. Parece zombar dos que o observam, escondendo seus segredos.
- Tou dizendo que isso é carro roubado, rapaz.
- Esquisito.
- Será que tem alguém preso no porta-malas?
- A essa hora já deve ter morrido.
- Será um corpo esquartejado?
- Um assassinato de carnaval?
- Acontece.
- É o carro do Diabo!
- Se continuar aí amanhã, eu chamo a polícia.
Terceiro dia e lá está o carro, parado, observando, espreitando.
- Vou lá olhar de perto.
- E se for carro bomba?
- Curiosos morrem em atentado terrorista!
- Fala sério.
- Vou ligar prá Polícia.
Um homem entra no campo de visão, saído do prédio. Todo mundo se cala.
Cara de panaca, óculos e bermuda. Caminha pelo terreno baldio. O carro responde a sua presença com dois bips. O alarme. Abre a porta e entra. Sai dirigindo.
- Era só o carro do cara ali, ó. Maior cara de bundão.
- É nos maiores bundões que se escondem os piores psicopatas. Como nos perfumes.
- Tu é louco?
- Vou avisar a polícia.
- Põe esse fone no gancho, homem.