NOTA O AUTOR: Ocorreu-me republicar essa vivencia, agora atualizada em suas lembranças: "Até este escrito tive dois momentos que muito me marcaram diante das dores que a lei da reencarnação nos impõe como abençoado e doloroso aprendizado. O primeiro está nos rabiscos que aqui publiquei com o título de "Segredos". O segundo, com o nome de "Sua Saudade". Ambos, naturalmente, como "Pensamentos", compactados em um formato que permite seu alongamento e interpretação, por razão ou imaginação. Vai do querer de quem se interessar. "
Sua última desdita fora letal. Rompera-se o diálogo entre alma e corpo. Havia cansaço e sofrimento naquele conjunto desmantelado. Sem eira e nem beira, alquebrado e vencido por seus demônios, estacara num ponto qualquer do infinito. Certamente na terra do indefinido, onde a aridez do nada sopra em moto contínuo um vento arenoso, assobiando a canção dos desterrados.
Sem ninguém e sem sorte, sem razão e sem norte, sua essência esvaia-se entre prantos e risos. Em seu desalinho mental, buscava febrilmente respostas para os “porquês” e “senões” da vida, que sua loucura transformara em refrão, repetido de segundo em segundo, num assédio cruel e desumano, tão comum, porém, às vítimas das ilusões do mundo.
A mim, em um raríssimo momento de lucidez, confiara sua dor. Amara muito. A tudo e a todos. Sentia que viera ao mundo para isso. Falou-me de paz e fraternidade. Mostrou-me, pela palavra bem-posta, lugares de rara beleza, que certamente vivera. Disse-me sobre cores e flores. De jardins e relvados esmeraldinos. De amor e aconchego. De sua casa.
Estacou, exclamando: - Minha casa!
Então, aquele olhar de criança feliz assombreou-se. E como se fora um Mantra, repetia febrilmente: “minha casa”... “minha casa”. Sua fácies tornou-se pétrea e seu olhar assumiu o alheamento pelo mundo e suas coisas. Perdeu-se em temerária prostração. Angustiado, chamei-o à realidade. Proferi palavras de carinho e amizade. Citei sua fala de há pouco. Debalde. Lentamente foi se afastando à braços com seu destino infausto, sumindo definitivamente no negrume daquela sua noite eterna e tão avessa ao brilho das estrelas. Não mais o vi desde então. Mas após aquele momento de loucura lúcida que vivenciei como coadjuvante, as noites estreladas ganharam outra significação, e, nunca mais, desde então, permiti que os “porquês” e “senões” desta minha encarnação ficassem sem uma resposta. Mesmo que vazia, idiota ou fútil.
Palha