Se você pudesse escolher três coisas para levar dessa vida, certamente, uma delas seria a lembrança. A memória é um lugar tão fértil para colher emoções que foram plantadas ao longo da vida. Na casa de minha mãe tem um quadro na parede da sala desde que nasci. Aliás, deve estar lá bem antes disso porque meus irmãos também o tem como referência de infância. É uma pintura a óleo feita por um artista que presenteou meu pai. A imagem que traz um terreno verde cuja beleza salta aos olhos, uma pequena ponte para travessia sobre um rio de pedras em que a água corre ligeira nas entrelinhas e uma casinha branca, em volta da qual, crianças brincam de bola e riem felizes enquanto um anjo as soprepõe de modo sublime. Olhar para aquele quadro sempre foi uma viagem categórica. Quando a razão vai embora, as emoções ficam afloradas e a árida terra do coração vem trazendo um enredo. Aquela casa era o desenho perfeito de um lar em que as crianças eram felizes, e por muitas vezes, nós quatro, acabávamos nos comparando com elas que brincavam naquele ambiente que parecia um jardim da felicidade. Lembro-me de tê-la redesenhado dezenas de vezes, e colocado nossos rostos, como se fôssemos parte daquele cenário tão singular e tão cheio de amor. As crianças verdadeiramente captam o que há de mais terno numa imagem, ainda que seja apenas uma figura ilustrativa de um olhar mais delicado de um artista. Quantos sentimentos cabem naquele quadro? Certa feita, quando meu pai foi repintar a casa, retirou o quadro do lugar. Quando entrei pela porta, assustada, comecei a chorar buscando a referência que alimentava meus sonhos: aquela casa era minha, como todos os sentimentos que nela moravam. No gramado verdejante sentei minhas dores e frustrações que eram revigoradas como num passe de mágica. A ponte me levou para o outro lado, sem ela jamais enxergaria possibilidades. Aquelas pedras, pareciam ter movimento, mas era a água que a perfurava com o tempo, sem rupturas estravagantes. As crianças eram a mola propulsora da felicidade e estavam lá pra mostrar que era possível ser feliz. E o quadro que continua na parede revela a pureza e a beleza de um olhar de criança que jamais perdemos. E quando o fardo pesa, lá bem na entrada da sala, aquela singela imagem, revela o grande segredo: a simplicidade é a tônica da vida e nela as emoções fazem casinha branca e constroem travessias que o tempo recria.