ERNESTINA KARMAN,
UMA LINDA ARTISTA BRASILEIRA

Nair Lúcia de Britto 
 

No aniversário de cem anos do início do Movimento Modernista relembro com prazer uma artista que trabalhou assiduamente pelo desenvolvimento da Arte Moderna. Refiro-me à  pintora Ernestina Karman. Além de pintora, foi também gravadora, escultora, ceramista, crítica de arte e professora de Pintura e de História da Arte.

Ernestina Karman nasceu em Santos/SP em 1915 e nos deixou em São Paulo, em 2004. Antes de começar sua carreira artística, casou-se com o médico Moacir Karman, em 1946.
 
“Foi amor à primeira vista”, ele contava. “Eu a conheci na sala de espera de um consultório médico. “Assim que a vi, apaixonei-me por ela. Depois de ter sido atendido, saí do consultório e fiquei a sua espera no portão de saída. Assim que ela surgiu fui ao seu encontro e perguntei: Quer se casar comigo?”


Casaram-se. Para acompanhar o marido, Ernestina  foi residir na cidade de Campo Grande/MT. O local era pouco desenvolvido e havia uma população muito pobre. Então o casal implantou o primeiro ambulatório médico da cidade. Trabalhavam juntos atendendo as pessoas gratuitamente. Lá, permaneceram até o ano de 1954, quando foram morar rua Xavier de Toledo, bem no centro da Capital paulista.

Em São Paulo, Ernestina realiza vários cursos relacionados à Arte; e que a tornaram uma artista inovadora e original. Durante vários anos pesquisou sobre novos materiais que poderiam ser aplicados em pinturas artísticas. Depois, transformou suas pesquisas em experiências próprias. Entre 1952 e 1953 estudou pintura impressionista com Colette Pujol e desenho clássico com Lucila Fraga. Participou do “Atelier Abstração” de 1954 a 1958, ocasião em que fez pesquisas relacionadas à arte abstrata.

Depois de muito estudar e pesquisar, Ernestina resolveu construir uma Escola de Arte, que funcionava no seu “atelieur”, que ficava na rua Piracuama, no bairro do Sumaré, em São Paulo. Baseava seu mestrado nos ensinamentos do seu Professor Sanson Flexor, com o qual adquiriu um rico conhecimento.
Na sua Escola, Ernestina lecionou desenho, pintura, história da arte e estamparia. Usava de todos os recursos possíveis e tecnologia moderna para ministrar suas aulas. Muitos de seus alunos que se tornaram  artistas foram formados por ela.

Eu mesma tive a oportunidade de assistir algumas de suas aulas e posso garantir que nunca vi uma mestra tão dedicada e eloquente para ensinar a Arte, pela qual era apaixonada. Seu objetivo nunca foi obter lucro financeiro. Pelo contrário, ela não media esforços para comprar todo o material que achava necessário, para bem ilustrar suas aulas e capacitar seus alunos da melhor forma possível.

Pela manhã, logo que acordava, tomava o café que sua auxiliar lhe servia, na cama; e lia todos os jornais, nas páginas de Arte e Cultura. Só depois de se atualizar de todos os acontecimentos é que ela, então, levantava da cama e se arrumava para trabalhar. Jamais perdia tempo com assuntos frugais. Tinha uma vida agitada no meio artístico e, nas horas de folga, estudava. Até seus últimos momentos de vida, nunca parou de estudar.

Diariamente, lia  os livros que amava, tirados de sua estante farta e não os emprestava a ninguém. Quando lhe pediam um livro emprestado, ela comprava um igual, novo em folha, e o oferecia de presente.


Na década de 70 Ernestina passou a ser colunista do Jornal “Folha da Tarde”, para o qual ela escrevia críticas de arte referentes a vários artistas brasileiros, cujas obras ela avaliava pessoalmente. Por isso estava sempre visitando Exposições de arte e Vernissagens.
De 1976 a 1978 foi eleita presidente da Associação Paulista de Críticos de Arte – APCA; e vice-presidente da Fundação Bienal de São Paulo. Lecionou Arte Brasileira no Paço das Artes. Pelo seu trabalho jornalístico, recebeu o prêmio de melhor Crítica de Arte; juntamente com Jacob Klintowitz.

Na década de 80 atuou como membro do Conselho de Arte da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo (1980); da Associação Profissional de Artistas Plásticos de São Paulo (1982); e do Conselho Brasileiro de Projetos de Arte (1985)

CRÍTICAS
“Pertence àquele grupo de artistas que se dedicam principalmente à pesquisa de materiais plásticos. Durante anos ela ficou experimentando com o asfalto. O asfalto transformado em tinta pictórica revela uma consistência plástica e um brilho que lembram esmalte. Um novo tipo de relevo pictórico foi o resultado desta árdua pesquisa que durou anos e que resultou neste novo tipo de matéria luxuriosa, densa e expressiva.”(Theon Spanudis) PONTUAL, Roberto, Dicionário das Artes Plásticas, no Brasil, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1969.

E foi assim que trabalhou ininterruptamente pela arte, estudando e pesquisando; aprendendo e ensinando; sempre rodeada de artistas junto ao marido que sempre a apoiava. Só parou de trabalhar quando um problema de saúde a reteve no Hospital. O esposo, Moacir, já com 87 anos de idade (a mesma idade que ela) também deixou os três hospitais para os quais trabalhava, para cuidar de Ernestina.

O médico mostrou-se junto à esposa de uma solidariedade comovente. Não saía de perto dela pra nada. Era a Ana (secretária fiel e dedicada) que insistia para que ele se alimentasse e não ficasse doente também. Zelava por ele como se fosse uma filha, levando-lhe as refeições e encorajando-o a ter forças para enfrentar aquele momento difícil.

Mas coragem não faltava à Ernestina que, mesmo enferma, fazia planos para o futuro. Quando ficou sabendo que os gatos que ela criava num sítio (próximo à cidade de Ibiúna) corriam perigo devido a cães ferozes do sítio vizinho; levantou-se da cama para ir até lá a fim de ela mesma resolver o problema com uma cerca de proteção que mandou construir. Só com seus bichanos em segurança voltou para o hospital. Dias depois ocorreu sua passagem.

Ernestina não foi só uma profissional impecável. Era um pessoa humana, generosa e protetora. Ela e o marido ajudaram muitas pessoas em dificuldades. Eu mesma quando fiquei doente, na minha adolescência, e precisei ser hospitalizada, hospedou-me em sua casa por um longo período até que eu me recuperasse. Foi uma mãe, amiga, enfermeira e professora. Ensinava-me Francês e noções de artes. Juntas fomos à Bienal, cinema, teatro. Nos divertimos muito juntas. Quando eu lhe mostrava os textos que eu já escrevia dizia-me: “Nair Lúcia, você pode ser uma cronista como a jornalista Helena Silveira!” E deu-me de presente romance: “Banco de Três Lugares”, de Maria de Lourdes Teixeira.

E, hoje, relembrando-a, sinto saudades e um orgulho imenso de ser sua sobrinha primogênita. Que Deus a abençoe!       
 
 
 

 
Nair Lúcia de Britto
Enviado por Nair Lúcia de Britto em 21/02/2022
Código do texto: T7457359
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