Rumo a Petrópolis
De minha sala, vejo o caminhão-baú encher-se rapidamente... De víveres, de roupas, de materiais de limpeza. De mão em mão, os fardos são conduzidos rapidamente à carroceria e acomodados para a viagem no dia seguinte. Uma van também está à espera e será usada se o caminhão não der conta de tudo que se juntou em pouco mais de um dia na garagem do prédio. Leve chuva cai na quase noite e lembra a tragédia que as chuvas trazem. Petrópolis está ali a pouco mais de 100km e, em breve, poderá contar com mais essa ajuda de juiz-foranos, que tanto gostamos da acolhedora cidade vizinha, aonde vamos para o turismo, para as compras, para a visita aos amigos.
Na antevéspera, meu cunhado, Álvaro – que viveu na cidade por muitos anos e fincou raízes – se emocionara, como todos nós, com as imagens; meu sobrinho João, ao lado, sempre muito rápido nas decisões, simplesmente disse um “vamos ajudar”, ao que o pai aquiesceu. Ato contínuo, João digitou algumas mensagens no celular e comunicou que estava montada uma pequena rede de solidariedade, com alguns locais de coleta e que nossa garagem armazenaria todo o material. Um amigo já prometera o caminhão e, se necessário, cederia também uma van. Só faltava a mão amiga dos corações emocionados nesses cantos da minha terra.
Creio que o João, de início, pensou que a van seria suficiente. Mas as muitas doações foram chegando, inclusive em dinheiro, com essa facilidade que é hoje fazer uma transferência bancária. E o dinheiro foi virando caixas de leite, produtos de limpeza, garrafas de água e cestas básicas, que encheram a garagem e produziram imagens de belo efeito nas redes sociais, induzindo mais gente a colaborar. O resultado é que se encheu o caminhão e também a van, que foram abarrotados para a cidade vizinha, pagando, até, o polpudo pedágio...
Ficou lá, em algum cantinho, um pedaço material de nossa solidariedade, que, como estamos vendo, se soma a muitas e muitas iniciativas semelhantes pela região e pelo Brasil afora.
Não há humano coração humano que não se choque com as imagens e com o relato de nossos irmãos que passaram por essa inclemência da natureza – que seguramente seria minimizada por ações de governo as quais, quase de regra, são adiadas ou preteridas, como nos tem fartamente mostrado o noticiário. Uma pena!
O resultado são essas cenas que passam ao triste diário da história, hoje documentadas com o requinte dos celulares que se antecipam à imprensa mais rápida. Do jovem sobre o ônibus tomado pelas águas certamente planejando o impossível, da jovem mãe cavando a terra na busca da filha, à imagem da casa arrasada com os livros destruídos – livros que também estavam aos montes no centro da cidade, rescaldo de uma livraria aruinada– tudo, tudo isso dá a dimensão da tragédia humanitária que certamente continuará a exigir de nós, por bom tempo, ações efetivas de compartilhamento solidário.
Livros e livros. Por anos os colecionei. Nem sempre pude viajá-los com a intensidade merecida. Mas, seguramente, foram meus amigos, meus inspiradores... A imagem da biblioteca doméstica implacavelmente destruída muito me comoveu. Imaginei seu dono por anos comprando os livros, lendo, apondo a assinatura, registrando um ‘ex-libris’, protegendo a todos e visitando-os na ânsia de ciência, de literatura, de paz, de Deus... E tão de repente! Tão de repente a biblioteca é nada...
Petrópolis ainda não recebe livros, certamente – chegará, sim, esse momento. Pela tevê, vi o idealizador do Projeto do Morro, cuja obra não mais existe. Ele diz que vai reconstruir tudo, com o amor e a garra da primeira tarefa. Certamente, precisará de livros. Desde já me inscrevo entre os possíveis doadores... É só com livros e livros – bem lidos, bem interpretados – que faremos uma sociedade mais solidária ainda e levaremos ao poder quem não viva somente para o poder...