Qu’est-ce que c’est?
Agora já estava no Ginásio! Já era praticamente um rapazinho feito. Tínhamos aulas de ‘linguas”. Inglês com o Professor Davi Lino e Francês com uma professora que agora a memória já me escapa. Mas, nem tudo eram flores. Eu, que já não era bom em matemática, agora pagava os meus pecados. A gente estava na aula de francês. A professora apontava aleatoriamente para alguns objetos e dizia: “Qu’est-ce que c’est?” com um sotaque chique que só vendo, ou melhor: só ouvindo! e a gente tinha que se virar nos trinta para responder em coro com um sotaque aceitável. Certo dia, ela já entrou na sala desabando de “quésquécé”. Veio perguntando, cobrando sotaque, até que parou na carteira do meu colega ao lado e apontando para a janela disse:
Qu’est-ce que c’est?
Ce tam fenétrê! Disse ele!
Non! C’est une fenêtrre! Disse a professora com sotaque refinado de francês parisiense.
Ce tam fenétre! Respondeu o Dito em um simulacro de francês pavoroso.
Non! C’est une fenêtrrre!
Ce tam fenétrê!
Fenêtrrrrre! Disse carregando e vibrando propositalmente o som do “R” de forma gutural.
Fenétrê! Disse na forma da pronuncia mais alveolar possível.
A professora largou de mão e passou para outro aluno. Depois, ela começou pelo primeiro aluno da primeira fila e foi apontando na sequência para os cartazes que havia na parte superior da sala. E veio vindo: Qu’est-ce que c’est? E a gente ia respondendo da melhor maneira possível. Quando chegou ao meu amigo azedou o pé do frango:
Qu’est-ce que c’est?
Ce tam pupitre!
Non! C’est une pipitre! Disse
“Ce tam pupitrê!“
Non! C’est une pipitrre!
“Ce tam pupitrê!”
Pipitrrrrrrrrrrrrrrrrrre! Regardez! E reforçou os “erres” Trrrrrrrrrrrreeeeeeee!
Pupitrê!
E a professora perdeu a paciência e passou para outro aluno sacudindo a cabeça em sinal de reprovação resmungando alguma coisa que a gente não entendia mais podia imaginar perfeitamente o que seria. Eu disse então sussurrando para ele:
Você é burro pra caramba em Dito! Não consegue nem falar “pipitrrre?
Sai fora! Sou obrigado agora a ficar fazendo beicinho para falar: “pipitrrrre”?. Para mim, isso é coisa de fresco. Fica fazendo biquinho assim que daqui a pouco vocês vão estar é desmunhecando e soltando a franga. Vai nessa que vocês vão ver onde é que vão parar!
A gente, que é menino, nunca tinha pensado por esse lado. Daquele momento em diante, começou a brotar um sentimento tão sublime, tão nobre em nossas almas juvenis. Era a nossa “Ética Masculina” aflorando, despontando e nos impedindo de pronunciar corretamente certas palavras e de chorar até quando descascávamos cebola. A professora teve dificuldade para lidar com a pronuncia dos garotos. Colégio Estadual Seraphim França – Astorga – Pr – no ano da graça de nosso Senhor Jesus Cristo de mille neuf cent soixante-dix-sept.
N.A. Antes que alguém possa se melindrar, é bom esclarecer que essa história reflete o pensamento vigente dos anos 70 e que o autor não ficou parado no tempo.