Cartas de Salamanca - A tática do tejuaçu
A tática do tejuaçu
Mossoró, para mim, é simples e familiar. É, no final da tarde, tomar a saborosa sopa de dona Hilda, em meio a fraternas reuniões. É participar do papo na calçada de Anchieta Alves, para ouvir a poesia de Luiz Sobrinho ou a circunspecta análise de Paulo Fernandes, sobre os acontecimentos do dia, invariavelmente corroborada com as opiniões de Chico Targino, João Duarte, Francisco Andrade, entre outros.
É tomar um bom vinho na casa de André Luís e Patrícia, com direito a um suave violão. É encontrar, na livraria Café & Cultura, com Clauder Arcanjo, Chico Rodrigues e Marcos Ferreira e logo formarmos uma espécie de “sarau das letras”. É ir até a residência de Milton Marques para, em um daqueles amplos terraços, falarmos de nossas preocupações e de nossos sonhos com a Universidade.
É passear pelo centro da cidade, tomar um refresco na lanchonete de Chico Camilo e entrar em “A Construtora” para quinze minutos de prosa com Genivan Josué Batista. É encontrar-me com os baluartes do ICOP para, atualizado sobre a próxima empreitada, associar-me a eles, com prazer. É tomar alguma providência para a festinha de Nossa Senhora do Carmo.
É poder compartilhar da heterogeneidade da chamada geografia humana mossoroense, conversando e aprendendo com visões tão díspares como as de Paulo Linhares, Vilmar Pereira, Otávio Barra, Eduardo de Zé Agostinho, Nilo Santos ou do meu compadre Tertuliano Aires Dias Filho, Teusinho. É, enfim, entender as sábias e irreverentes “tiradas” de Paulo Lúcio...
Em Natal, a rotina é parecida. Gosto de caminhar no Parque das Dunas, conversando, entre outros, com Chico Pinto e Mário Marcelino. Também é prazeroso, nas manhãs de sábado, percorrer sebos e livrarias e encontrar, por exemplo, com Manoel Onofre Júnior — verdadeiro gentleman — que, em alguns minutos, já nos fala de uma novidade livresca, boa e necessária.
É passar pelo salão Guedes, de onde, além de barbeados, saímos contagiados pela simpatia e a espantosa jovialidade octogenária do próprio Antonio Guedes e, ainda, como souvenir, arriscarmos um reencontro com Ticiano Duarte, Jorge Ivan Cascudo Rodrigues ou José Bezerra Marinho, que é um desses sujeitos cuja inteligência e verve nos transmitem a sensação de termos ganhado o dia.
Paulo de Tarso Correia de Melo e Ana Maria, Pedro Fernandes e Elaine, Damião Nobre e Jailca sintetizam grandes amizades natalenses que Vilani, Alice e eu guardamos com carinho. Natal nos faz recordar a presteza e acolhida de Artur e Eliete. Faz-nos relembrar igualmente das visitas dominicais à prima Verônica Rodrigues, sempre recheadas de afeição e de deliciosas iguarias. Natal é conversar com Edilson Pinto, Henrique Santana, Odúlio Botelho, Cláudia Rocha ou Carlos Newton Pinto, o gaúcho mais potiguar que conheço.
Outro dia, um amigo brasileiro, com esse jeito que nos é peculiar, em meio a elogios a Salamanca, pelos encantos que ostenta como cidade e como centro de estudos, saiu-se com uma muita boa:
— David, nosso único problema aqui é que a travessia do “charco” (fazendo referência ao oceano Atlântico) é muito custosa, e por isso não podemos “matar” nossas saudades quando nos dá vontade.
Respondi-lhe, contando aquela curiosa história da fauna nordestina em que o lagarto tejuaçu quando briga com a cobra, não perde de vista o pé de pinhão para, quando picado, sugar um pouco do “leite” da árvore, que lhe serve como antídoto, e, imunizado, por algum tempo, poder voltar a lutar.
— Então, amigo, estamos longe, é verdade, por isso mesmo precisamos das férias para “realimentar as baterias” e voltarmos à batalha.