PROF. ZÉ BACURAU

ESCREVENDO EM BAIANÊS

Nelson Marzullo Tangerini

Autor do livro “Arraiá de Pau Fincado”, ilustrado com caricaturas de Nestor Tangerini, o baiano Lourival Reis, mais conhecido com Zé Bacurau ou Professô Zé Bacurau, humorista, poeta, compositor, jornalista, locutor, ator de cinema, apresentador, produtor e escritor teatral, publicou alguns textos poéticos na revista O Espeto, onde era diretor de redação.

Braço direito (ou esquerdo?) de Tangerini, Bacurau , que foi membro da ABI, Associação Brasileira de Imprensa, escrevia seus textos em baianês, como veremos nesta crônica, em que uma de suas poesias, publicada na referida revista em dezembro de 1947, é republicada:

“CARTA A PAPAI NOÉ

Data de 1000, 900 e 40 e 7

Meu querido Papai Noé,

Cordiais saudação.

Estimado meu bom papai Noé,

aguardo ansiosamente sua visita;

já coloquei sapato na janela

pra você pôr uma coisa bem bonita!

Num vá fazê cumo no ano passado,

em que eu te pedi um farpela

e você, Papai Noé marvado,

me afanou o sapato da janela.

Este ano o que eu quero de você

é azeite puro, bacaiau e batata;

nozes, castanha, avelãs e figos;

um garrafão de vinho e uma mulata.

Uma mulata bem cheia de curvas,

que tenha metraiadora no oiá...

que, quando passa, toda a rua entera

fecha o comerço pra vê ela passar.

E se não for possive uma mulata,

que as mulata os portugueis enfurna,

pode trazê uma lora bem engomada,

assim do tipo dessa Lana Turna.

Tamém num quero bangalô bonito,

eu pretendo uma residença cara...

Papai Noé, veja se é possive

eu morá no Palácio Guanabara.

Num só esganado, num quero posição,

só quero um logá de deputado,

pra i dizê, na Caimbra, o dia intero:

Muito bem! Muito bem! Muito apoiado!

E se agora, na próxima eleição,

se eu me candidatá – sim, já se vê,

quero os voto do Dutra e Brigadeiro;

dos comunistas deixo pra você.

Em comidas eu sô do triviá,

Sô marmitero-adepto do angu.

Mas todo dia eu só quero comê

Caviá, Champanha e peito de peru.

Mas se tudo isso fô possive,

por má vontade, crise, ou por capricho,

arranje, ao menos, um parpite certo,

pra eu ganha muita grana no bicho.

E se num fô possive me dá nada,

se num hové jeito de me fazê bem rico,

num vai me leva minha cartera:

deixa como estô, pra vê como é que eu fico...

Professô Zé Bacurau.”

Depois da extinção da revista, o poeta foi morar em São Paulo, Capital, mais precisamente na Rua Bento Freitas, onde fui visitá-lo muitas vezes.

Quando soube da morte de Nestor Tangerini, em 30 de janeiro de 1966, Bacurau escreveu esta comovida carta à Dinah, viúva do amigo:

“São Paulo, 1º de Março de 1966

Dinah,

Saúde e coragem.

Dinah, recebi a sua “bronca”. Você tem razão. Evilásio me deu a triste notícia. Fiquei bastante chocado. Eu pensei em escrever-lhe uma carta, imediatamente. Mas, como eu estava com a idéia de ir ao Rio, inclusive para assistir à missa de 7º dia, não escrevi. Infelizmente os meus planos falharam.

Muito breve irei ao Rio, somente para lhe dar um abraço do mais sincero sentimento. Você sabe que eu e o Tangerini fomos grandes amigos.

Quando você tiver que escrever-me, escreva carta. Não gosto de bilhetes.

Sem mais, lembranças aos garotos, ao José, Antônia, e um abraço do velho amigo

Lourival”.

Lourival Reis nasceu em Ilhéus, Bahia, a 11.11. 1905, e faleceu em São Paulo, SP, em 1994.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 20/02/2022
Código do texto: T7456855
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