RECORDAÇÕES.

   Quero apenas as lembranças da minha infância, e as ter diante dos olhos como miragens que surgem e depois desaparecem. A simplicidade das coisas é tão mais importante do que as complexidades do mundo, meu olhar é de poeta, só se pode compreendê-lo na perspectiva de uma criança. As pessoas perderam mais do que ganharam. Perderam a inocência, a pureza, deixaram de ver e de sentir. Os seus mundos tem a cor cinza, não há flores e nem pássaros cantando nas janelas. Quisera eu que as coisas que vejo de fora tivessem a grandeza das que mora dentro de mim.

   Quero apenas as lembranças da infância. Fazenda Lindóia, meu reino encantado que já não existe mais. Que saudades tenho de todas as coisas que vivenciei. Que saudades tenho das manhãs e dos passarinhos, do cheiro das flores, do pé de pitanga carregado, o balanço amarrado aos galhos. Tudo ainda está aqui dentro do peito, trancado no cofre da saudade. Quando estou cheio de tudo, me tranco em mim mesmo, pego a chave do cofre escondida no seio da alma e me tranco lá dentro. Passo horas e horas de olhos fechados para mundo e coração aberto para as recordações.

   O mundo é tão cheio de medo, de homens uniformizados, faces carregadas de rancor, cuspindo desaforos e regras sem sentido. E passam o dia desejando a ilusória fumaça do poder. Lutam por um pedaço vil de papel, dão a este papel, mais valor do que as flores. Desejo mais as abelhas do que papéis. O mundo se tornou opressor, sem sentido, caminhando como bêbados em noite escura. Raramente vejo sorrisos, o que se vê são apenas máscaras e homens sem face. Olhares presos em aparelhos de inutilidades. Por isso acredito que tão mais feliz seria se fossemos pássaros do que reis de gaiolas douradas.

    O mundo vive para o trabalho, e o trabalho escraviza o homem. Acordar muito cedo, água no rosto, engolir o café sem ao menos sentir o sabor. Sair como louco, feras na selva de pedra em busca da caça. Autos girantes desgovernados pelas avenidas, sinais, motos, buzinas. O homem deste tempo não encontra mais o seu próprio tempo. Aquele espaço de minuto, ainda que seja pouco, para olhar para si mesmo. A maior riqueza não está do lado de fora, não é o número da nota, nem a marca do carro, tão pouco no cargo que tem na empresa. 

    Quero apenas lembrar da infância, nada mais importa. Desejo ainda o tempo de pescarias, nadar nos ribeirões, correr descalço na terra vermelha, caminhar pelas matas. Quando criança eu passava horas olhando o horizonte em um fim de tarde. O sol deitando atrás do morro, as nuvens em brasas Enquanto nas copas das árvores os pássaros se despediam do dia com sonoras notas harmoniosas. A noite então surgia devagar, escalando o céu, os seres da noite surgiam, e tudo era tão mais belo e grandioso. Agora entendo tudo, o motivo do homem ser convidado a se retirar do Paraíso... Ele preferiu as coisas sem sentido, belezas transitórias e prazeres fúteis do que a simplicidade de uma beleza eterna e de um gozo infinito escondido bem diante de seus olhos.

  

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 20/02/2022
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