Um dia de saudade...
Hoje eu pisei numa terra, que há muito tempo por lá não pisava... A propriedade que meu pai batizou de Fazenda Paraíso. Estava muito diferente, sem os caprichos da lida diária que tínhamos. A casa centenária que ali existiu e que foi demolida, deixou um imenso clarão na terra em que tinha fincado seus pilares... um dó não ter criado raízes para nunca se abater! O mato, tão indomável nessa época do ano e, mais ainda, nesse tempo de abundantes chuvas, tomou conta do grande terreiro. O curral decrépito, vazio de gado, parecia assombrado. O laranjal que plantamos estava ralo de laranjeiras, apenas uma ou outra teimosa em existir fazia doer mais ainda meu coração. Lambi com os olhos a paisagem e uma saudade cheia de lembranças me assaltou, rendeu-me o presente e pôs água salgada nos olhos. O coração doeu, doeu... Visitei a grande pedra junto às jaboticabeiras. Hoje estava vestida de verde, por causa dos musgos e lodo. Lembrei-me que, há quase vinte anos, sentei-me nela com a Mariana dentro da barriga. Estava grávida e tinha uma bonita barriga redonda, como a pedra que me deu colo naquele dia. Pra todo lado que olhava, um pedaço de saudade de nós, nossa família, nosso trabalho, nosso entusiasmo. O trem de ferro passou apitando, como naquela época. O som era exatamente o mesmo... mas eu... O torvelinho da saudade puxou-me pra dentro da água de nome saudade. Náufrago, nadei com grande desejo de viver. Olhei-me no espelho d'água e percebi que estou tão bonita com essas saudades tristes. Respirei fundo, peguei minha mão, e saí com a elegância de quem aprendeu o verdadeiro sentido da palavra resignação. Chamei o tempo presente e disse-lhe, docemente: estou aqui!
INTERAÇÃO DE TADEU LOBO, ESCRITOR E POETA
O TORVELINHO DA REALIDADE
Á escritora e poetisa Cassia Caryne Castro Araujo
.
Minha vida estava me levando por caminhos
tortuosos, onde me sentia infeliz e derrotada.
Estava me tornando em uma grande pedra verde,
vestida de musgo, lodo e uma grudenta lama.
Estava vivendo sem caprichos na lida diária,
e sentia me como uma casa centenária em demolição.
O mato, tão indomável nessa época de atribulações,
tomou conta de todo o meu interior aflito,
como um tempo escuro, de abundantes chuvas de lágrimas.
O medo não me deixava seguir a diante.
Para mim, tudo parecia assombrado.
As lembranças que eu tinha, eram muito ralas.
Pois boas, apenas uma ou outra teimava em existir.
E estas, fazia doer mais ainda meu coração,
fazendo me lamber a água salgada dos olhos,
que riscava minha face em fria lágrimas,
cheias de saudades e lembranças.
Hoje, eu pisei na terra, com firmeza e coragem.
Senti forte e rígidos todos os meus pilares.
Senti, como há muito tempo, não me sentia tão bem assim...
Senti, como se estivesse sendo seduzida no paraíso.
O torvelinho da realidade puxou-me para dentro de mim.
Eu naufragava, mas consegui nadar com o grande desejo de viver.
Em minha frente abriu se um clarão jamais visto na terra.
O trem da amargura havia passado dizendo me adeus em seu apito,
àquela época de tristezas e dor.
Respirei bem fundo, olhei-me no espelho e percebi quão bonita estou.
Para todo lado que olho, só vejo entusiasmo e novos horizontes.
Peguei firme à mão de um novo sol e sai com a elegância
de quem aprendeu o verdadeiro sentido de viver em paz.
Chamei o tempo presente e disse lhe, docemente:
- Estou aqui e quero viver o agora, um dia de cada vez.
https://www.recantodasletras.com.br/autores/tadeulobo
Estação do Cercado (MG), 22 de fevereiro de 2022.