COR, LUZ, VIDA E MANCHAS SENIS

Segue mansa, límpida e azul a tarde de inverno. Insetos cruzam os ares perseguidos por asas ligeiras de pássaros inquietos. Galhos movimentam-se gracio- sos, projetando sombras na parede à minha frente. E elas mudam de desenho ao toque do vento. E eu sorrio enquanto escrevo, enlevado pela paisagem de cor, luz e vida.

De repente, concentro o olhar sobre a mão que escreve e o sorriso se recolhe:

" Céus! Quanta mancha senil nova! Como têm crescido em quantidade e tamanho!

Agora não mais adianta continuar contando quanto falta para a fatídica terceira idade. Ela já se instalou de vez, impiedosamente. Cada mancha escura marca o território conquistado e certamente a ser expandido.

E eu que não me sentia velho porque ainda acreditava naquela máxima consoladora de que “velhice é um estado de espírito”, vejo-me diante dessas mãos enrugadas e sem viço, começando a pensar, seriamente, no que serei na velhice física, por mais que o estado de espírito teime em se pôr à frente para me consolar. Tento me imaginar correndo (?) para alcançar a porta do ônibus, sacudindo em desespero o cartão de sênior, com o coração em disparada, diante da plateia apiedada, e suspiro fundo.

Velhice é um estado de espírito e “Primo Éder está bem velhinho, mas continua lúcido não chegam a ser consolo para os que ainda não foram tão longe, mas que já são olhados com ares de (in)tolerância, (im)paciência ou de (in)compreensão pelos bem mais jovens. Bom mesmo seria retroceder uns quarenta anos, permanecendo, com tudo aquilo que a vida nos tivesseproporcionado de melhor, a começar pela juventude. Como isso não é possível, vou mesmo me acostumando com as manchas senis. Afinal, elas são companheiiras definitivas e, com o tempo (suspiro!) vou acabar achando-as lindas e queridas e não me surpreenderia se um dia eu encontrasse um amigo da mesma faixa de idade e lhe perguntasse, orgulhosamente:

- Você já conhece a 16? Ah, não sabe o que é? Pois aqui está ela, minha décima sexta mancha senil, nascida de ontem para hoje, bem no dorso da mão esquerda, espremidinha entre tantas outras. Veja como é charmosa. Que tom de marrom chocante! Você tem algo parecido?

Desperto das minhas reflexões e volto a me entregar às delícias da deslumbrante tarde de inverno. Já não há mais sombras na parede e ne m pássaros atrás de insetos. O sol começa a se esconder, o frescor da noite que não tarda a chegar me acalenta e eu volto a sorrir, integrado na paisagem de cor, luz, vida e manchas senis.

Ruy Soares
Enviado por Ruy Soares em 19/02/2022
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