Eu a odiei por toda sua vida, e sempre que ela me olhava parecia um deboche dissimulado, pois eu via no seu semblante a caricatura das mais temíveis e malignas criaturas, sabia da sua força, um ser que atravessou as eras, sugou o sangue derramado em Hiroxima e Nagasaki, onde sobreviveu.
Foi lixo nas ruas noturnas do Bronx e das veredas enfumaçadas da índia mística, era a mal vestida e cingida para testemunhar o meu imenso medo e desespero.
Vagou nas catedrais sua astúcia vivendo de restos humanos, lascas de hóstias e por vezes sorveu do vinho sagrado num sacrilégio profano e imundo, aliás imundo como ela mesma.
Vivenciou tragédias, esteve com o rei e o súdito e de todos usufruiu de uma hospedagem fortuita e doentia, deglutiu de seus víveres, atormentou seus entes, e riu de suas esposas gordas e medrosas.
Combateu as tempestades e venceu, riu da falsidade humana, e foi cúmplice de todo tipo de adultério, foi suja em sua essência e na imagem que propôs desde a antiguidade, onde nasceu sua saga lendária.
Eu a odiei desde seu primeiro olhar, um olhar maligno, que não conhece o amor, que nunca ouviu uma poesia, que desconhece o ser humano como um ser semelhante a Deus, que freqüenta o submundo do mundo e seu espectro está em todo o lugar...
Eu a odiei sempre, e naquele dia em que a vi ali na varanda, me olhando, perdi o medo, a segui de corpo e alma, correste, saiu pelo portão, correu na calçada, por vezes fez menção de subir nos postes, a minha perseguição era implacável, até o momento em que vi sua covarde valentia, descer na sarjeta, e descontrolado entrar embaixo de um carro, depois lá estava você esmagada no meio da rua, o destino perfeito de toda a barata deveria ser este...