LÁGRIMAS DE FOME E DE DOR
Inúmeras vezes, testemunhei secas e enchentes ao longo de minha infância e adolescência na cidade nordestina onde nasci, Mossoró RN. Vi os paus de arara conduzindo flagelados para Natal, Recife e São Paulo, para onde iam em busca de trabalho e melhores condições de vida, objetivo que, infelizmente, nem sempre alcançavam. Quantas lágrimas derramadas pelo lamento dos famintos, dos pais derrotados pela falta ou excesso de chuvas! E esse sofrimento inominável se multiplicava dia após dia enquanto as vítimas elevavam as mãos aos céus suplicando por chuvas na seca ou estiagem nas grandes enchentes.
O chão das ruas e o leito dos acudes e de alguns rios ficavam crestados na seca braba, mas alagados e transbordantes nas assustadoras enchentes; ante a ausência das precipitações pluviometricas o sol inclemente matava de sede, em seu excesso afogava com voracidade tudo à sua frente. O horror dessa antítese periodicamente causada pela natureza nos deixava todos os anos numa encruzilhada de medo, os agricultores olhavam as nuvens buscando indícios de inverno ou verão, os ribeirinhos tinham pavor de um de outro quando excessivo, embora, se assim fosse possível imaginar, apavoravam-se mais com a possibilidade de ver o rio invadindo seus lares.
Faltava alimentos assim na seca como na enchente, então a fome grassava, e o que se via em ambos os casos, mormente nas secas fenomenais, era a população sofrida indo às procissões com pedras na cabeça, andando sobre os joelhos, vestida de São Francisco, carregando cruzes sobre os ombros, rezando aos gritos, chorando, suplicando com os braços elevados, descalça, angustiada...em verdadeiro transe religioso-melancólico. Somente o padre não tinha a face compungida, talvez a proeminência da barriga fosse o motivo, já os coroinhas, as beatas e o sacristão seguiam o coro dos demais. Causava dó e tristeza tudo aquilo.
As doações de alimentos e roupas chegavam no auge das tragédias em seus respectivos momentos, recordo-me do leite em pó enviado pela Aliança para o Progresso tão necessário para as crianças subnutridas, das cestas básicas que o governo distribuía para as famílias, nelas se encontrando principalmente feijão, arroz, cuscuz, café açúcar, macarrão e sal. Por ser membro do grupo de escoteiros da cidade, geralmente eu participava como voluntário para entregar o leite em pó e as cestas básicas aos necessitados, assistindo contrito o doloroso drama das pessoas. Enquanto houver qualquer resquício de fôlego em mim será impossível não lembrar de vez em quando o nefasto e dantesco tempo em que a cidade nordestina onde nasci descia, de tempos em tempos, o abismo das secas ou o mar encapelado das enchentes.