Raízes

Sempre me considerei uma típica brasiliense, rodeada de clichês do quadradinho e de seus anexos.

E mais: raiz. De comer poeira, terra, às vezes lama, pulando com os Paralamas na Torre ou nos pisoteados gramados da Esplanada; saindo dessa sem nenhum arranhão, ou melhor, nenhuma coceira no nariz. Também já passei sufocamento, não pela falta de umidade relativa do ar – essa sempre tirei de letra, afinal, brasiliense raiz, era do turno vespertino do Colégio Azul, onde a gente torrava dentro de sala de aula enquanto o Brasil inteiro era dispensado pelo alerta de baixa umidade, e muitas vezes nós também, não por isso, apenas porque com frequência não havia alguém para nos dar todas as aulas. Cometia mesmo era o risco de perder o ar pra chegar mais perto do palco e acompanhar a amiga fã do Dinho, que viera gravar seu DVD ao vivo, dando um presente à capital e a nós. Mas não parava por aí, a gente tomava um ar – e transpirava mais – na caminhada até a rodo para se espremer outra vez, mais um pouco, na volta pra casa de busão.

"Mas quando se vê, já são seis horas...", e quando menos se percebe, as taquicardias têm motivos maduros, e o sufocamento pode ser tudo – inclusive psicológico –, e você fica achando que a rinite pode ser algo da sua cabeça. Mas ela tá lá, pesando acima do seu nariz, existe apesar da negação e da esquiva por anos a uma consulta ao otorrino. Aquele outro problema, que você também atribuiu à sua mente, continua a tapar seus ouvidos e sua audição. A médica, talvez captando a sua rebeldia – resquícios daquela geração por quem você vibrava em frente aos palcos –, parece entrar num tipo de papel otorrino-psicológico, e não conclui seu diagnóstico, mas “pela obscuridade dos sintomas”, já te prescreve o tratamento completo das -ites.

Desligo a câmera do celular, a consulta chega ao fim, não os meus devaneios. Por fim me comparo às árvores do cerrado. Um dia ela até nasceu raiz, mas esse chão de poeira vermelha tratou de a colocar fora dos eixos tornando numa árvore do cerrado; à revelia da natureza, segue torta, na secura ou na abundância, carrega seus pesos nos ombros e no nariz, mas segue firme, viva e crescendo, às vezes na mudança brusca de direção, o que importa é ir adiante.