NENHUM GRITO

NENHUM GRITO

Tiquinho, com seus dezoito anos, só consumia baseado e, periodicamente, furtava celulares. Dias deste aventurou-se mais, e na tentativa de assaltar um banco, foi morto no confronto com a polícia. Muitos gritaram para protestar a morte do pobre injustiçado Tiquinho.

Ticão, rapaz maduro, pai de família, sai de casa pontualmente às três horas da madrugada. Pega o primeiro trem e, antes do apito da fábrica, às seis horas, anunciando o início das atividades, lá está ele pronto a servir o patrão, a servir a pátria, a servir a família. Às onze horas, atendendo a mais um apito da fábrica, tem ele à disposição uma farta refeição (arroz, ovo, feijão, farinha), já todo mexido pelo balançar do trem. Às três da tarde o sortudo Ticão ainda tem um copinho de café puro dado pelo patrão. Mas, ele ainda atende ao último apito do dia, quando a lei lhe consente ir para casa rever a família. Assim volta a pegar o trem. Às vezes adentra ao vagão, porém, quase sempre se contenta com um espaço no degrau da porta. Ali segue sua agradável viagem, ora encoxado, ora encoxando. E antes das nove da noite já está em seu lar para rever esposa e filhos. Certo dia Ticão não fez a viagem de volta. Exatamente no dia em que recebeu seu pagamento do mês. Vítima de assalto, reagiu, foi morto pelo assaltante. Em sua defesa, nenhum grito.

Adílio dos Santos - 16.02.2022 – 06h24