Movimento retilíneo e a busca da linha reta
Hoje, após muito tempo, senti os pontos se entregando. De novo. É uma sensação irônica e uma brisa momentânea de descanso deixar o pé cair pra fora da linha reta. Me faz pensar logicamente naquela imagem de alguém carregando uma infinidade de coisas nas costas e que finalmente resolve deixar a gravidade fazer seu trabalho. "Que quebrem", diz às frágeis partes de mundo antes equilibradas sobre si.
- E aqui cabe uma acentuação: partes. Realmente são partes e pequenas partes que muitas vezes não importam ao grande todo de forma nenhuma. Mas estão lá -
Mas passado essa momentânea brisa, o peso falta; a imagem então muda pra contraditória ideia de que peso gera sustentação. O contrabalançar de algumas construções está no peso que é carregado pelas bases, de modo que diminuir o peso derruba o prédio. Me vem outra imagem mental: o relato de um professor de literatura, cuja rotina de trabalho beirava a insanidade, com horas de aula sobre horas de aula, de tal forma que para esse sujeito tirar férias era um suplício. O ciclo fechado de excessos era o combustível que levava tudo ao limite, sem nunca sair dele.
A pergunta fundamental desse texto é: sem o céu nas costas, o que seria de Atlas? A série de livros "Percy Jackson e os Olimpianos" criou um Atlas que queria sair de baixo do céu. Mas não era para tirar férias. Havia outro céu (metafórico) o esperando.
Me questiono sobre isso nesse momento. A exaustão tem várias origens, mas a tendência é pensar que livrar-se do trabalho resolve todas elas. Não por serem inexistentes, mas por serem tão insignificantes que cairão quando o general cair. Lembra aquela cena clássica das guerras decididas por um único abate, o do comandante (ou do campeão). Tudo que pesa não vale nada, sendo apenas o recheio do grande peso, a coisa a ser vencida: o esforço. Contra ele, erguemos o descanso.
- Aqui cabe uma explicação: não se trata de vangloriar o esforço, o trabalho, e fazer apologia a pensamentos do tipo "trabalhe incessantemente". Se trata de entender o Céu.
Mas descansar é um esforço. Aí o paradoxo de um movimento retilíneo que não ignore tudo pra existir: existe atrito e vento, de todos os lados. Como parar? Ou melhor: por que parar? E se parar fizer o pé sair da linha, tornar o movimento caótico demais para mante-lo possível?
O caos é, por essência, um movimento que nos lembra constantemente que o movimento é uma consequência, a qual controlamos menos quanto menos trabalho fazemos sobre ela. Ao trabalhar sobre o caos, damos sentido e peso para ele, de modo que o vento não o arranque de nós. Por consequência, nosso peso enquanto esforço é a estrutura da linha reta? Quanto mais pesado o Céu, mais fácil para Atlas entender porque está ali?
Aqui vai a minha última ideia sobre esse assunto: a nossa perspectiva imóvel é um horizonte formado por uma faixa nítida emoldurada por linhas desfocadas. Os efeitos luminosos e gravitacionais do universo fazem tudo cair em direção a um centro, arredondando a vista e o céu visível. Dessa perspectiva imóvel, vemos uma linha arredondada. Dessa forma, será que a busca por um método perfeitamente retilíneo de ver tudo não é por si só impossível?
Termino com uma pergunta, sob a perspectiva do desejo, da ambição e do medo: O pé pra fora da linha, o esforço de trazer tudo de volta, o trabalho sob a curva jamais calculada, e sobre as costas, o Céu: o que nos custa manter o movimento numa reta?