Consciência negra
 
Era uma dessas caminhadas que a gente faz sem vontade, só para agradar a esposa e enganar o corpo
que vamos emagrecer.
O semáforo fechou para os pedestres, um alívio para atletas como eu com mais de 120cm de cintura.
Ao lado uma mureta providencial, 
na altura pra se sentar. 
Desabo nela, arfante, tempo suficiente para observar 
uma pomba negra, de pezinhos e bico vermelhinhos, comum e 
banal igual a milhares de outras 
que moram na cidade.
Tão urbana, que se não desviar, a gente pisa nelas.
A danadinha bicou um pedaço pardo de papel no chão e começou um balé clássico quase um quebra-nozes.
No entanto acho que o que ela queria mesmo
era quebrar alguns paradigmas.
Eu ali, sentado, redondo, cansado, 
querendo pernas para voltar.
E ela bicando, jogava pra cima, pegava no chão, jogava de novo, batia o papelzinho no chão...e nada.
Ele continuava inteiro.
Ela teimava inteira.
Eu suava inteiro.
Acho que ficamos nesse idílio várias mudanças de sinal.
Um momento sublime de admiração e incompreensão, que me fazia indagar:
Porque ela não desistia daquele papelzinho?
Começou a chover fino. 
Ela voou e pousou em um fio.
Recobrei a realidade.
Comecei a caminhar como um autômato.
Minha cabeça também não achava o fio da meada.
Confesso que consegui chegar em casa, mas ainda pensando...pensando...
Será que aquele pedacinho de papel, não seria uma carta de amor do seu pombo amado, que ela tentava abrir?
Não seria um bilhete de felicitação que lhe teriam enviado confraternizando-a pelo dia da consciência negra?

Infelizmente desconheço o autor
Augusto Servano Rodrigues
Enviado por Augusto Servano Rodrigues em 20/11/2007
Reeditado em 24/11/2007
Código do texto: T745120
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