UM MERGULHO
UM MERGULHO
Mergulho, cada vez mais fundo, afogo-me em saudade. Os olhos cerrados, a respiração profunda, e lá vou eu, cercado de lembranças. Rua Luiz Gama, 201, lá se vão 65 anos. A casa simples, muros baixos, calçada cimentada, rua de paralelepípedo, venda na esquina, padaria no meio da quadra, quitanda na outra ponta, gente conhecida, pequeno grande mundo. O quintal acanhado, guardava dois filhotes de vira-latas, Bolinha e Dick ( bonito, mas não era vigarista ), um cágado, dois patos, umas galinhas e ratos no porão. No interior, sala, cozinha, banheiro e 2 quartos, sempre limpa, agradável, salvo quando chovia. Goteiras espraiavam-se pelo forro de madeira e os baldes em seu plim-plim enervante, davam o tom em noites mal dormidas. Dia seguinte lá ia o pai, consertar o telhado, agora creio, missão impossível, na próxima chuva, novas goteiras e ele ria com os reclamos da mãe, que logo desistia, a vida seguia. Lembro claramente dele, saindo para trabalhar e me dando um beijo e recomendando cuidar da mãe. Lembro dela, limpando a casa e preparando o almoço, cantando Kalu, que voz maravilhosa, melhor que Dalva de Oliveira. Mas, o marcante disso tudo era a cumplicidade dos dois e o carinho que me cercavam. Agora, aqui sentado, eles surgem vivos, como se o tempo não tivesse passado, e eu fosse aquele menino que os amava, mas sem ter a dimensão do amor infinito que até hoje dura e perdura na minha existência. Os olhos se abrem mas a visão é turva, chove.