O ENGENHO DO MEU VÔ

 

Antes de falar do engenho do meu avô, falo um pouco sobre a história dos engenhos de cana de açúcar, no Brasil, e, especialmente, no Nordeste/cearense. Ela remonta ao século XVI, quando o colonizador português, Martim Afonso de Souza, em 1533, disseminou essa atividade econômica, ao trazer as primeiras mudas de cana-de-açúcar para o Brasil. A produção desse gênero se deu por conta do conhecimento das técnicas de plantio e preparo na América Portuguesa. Contudo, a fabricação do açúcar não dependia somente do plantio da cana em terras férteis.

 

Para que o caule da cana fosse transformado, primeiramente no caldo (garapa), depois no açúcar, na rapadura, no alfenim, na batida... eram necessárias instalações apropriadas. Fazia-se necessário construir os engenhos, cujas instalações eram compostas de moenda, casa das caldeiras, das fornalhas e de purgar o mel (limpar, clarear com água para adquirir o melaço e, também, a aguardente de cana etc.). A água que era usada, lembro-me bem, vinha de um açude que ficava bem próximo do engenho, onde a criançada da fazenda brincava feliz e sem pressa alguma, mas correndo o risco de afogamento.

 

Esse complexo agroindustrial era dividido em diversas partes: o canavial, onde a cana de açúcar era cultivada; a moenda, máquina de moer o caule da planta e extrair o caldo que ia para os tachos de bronze depositados sobre as fornalhas quentes. Nas minhas lembranças de criança, trago recortes que o tempo deixou em mim – certa vez, um bezerro, ao escaramuçar por perto, caiu nas cinzas quentes que escapavam das fornalhas e ali ficou, pois quem lá entrasse, teria o mesmo destino. Para nós, que brincávamos por perto, foi um aviso, mas tambem foi um dia de muito choro e tristeza!

 

Recordo-me bem dos animais carregando os feixes de cana-de-açúcar que, ao ser colhida, era levada às moendas para sofrer o esmagamento do caule. Elas puxavam a cana, engolindo as varas aos punhados e cuspindo bagaços para um lado e garapa para o outro. E aquele cheiro doce entranhado em mim, em minha roupa e em minha vida. Lembro-me, ainda, que as moendas eram movidas por tração animal, pois meu avô não contava com a força humana dos escravos. Esse tipo de moenda era mais comum por conta dos poucos gastos com a sua manutenção. Aquele caldo morno e cheiroso era levado para as caldeiras nas fornalhas quentes, onde sofria um longo processo de cozimento. Aí, o melaço ia engrossando, o mestre mexendo, até engrossar, quando se transformava em tijolinhos doces, cheirosos e gostosos. No engenho do vovô era produzido apenas o açúcar mascavo, de coloração escura que servia mais para o consumo interno. O que ele vendia eram os tijolinhos ou as deliciosas rapaduras.

 

Além das unidades onde se produziam os derivados da cana, o engenho contava com o abrigo da população na casa-grande. Ela   alojava, além do meu avô e sua família, alguns trabalhadores domésticos. Não lembro se havia escravos, mas homens e mulheres que trabalhavam na colheita da cana, do algodão e na produção da farinha de mandioca. Ainda me recordo de uma fila de senhoras que, sentadas, seguravam imensos ralos entre as suas pernas e ralavam a mandioca recém arrancada da terra. Tantas vezes vi a minha mãe colher um pouco daquela massa e transformá-la em deliciosos beijus para o lanche da tarde, quase sempre acompanhado de garapa fresquinha.

 

Esses engenhos não eram comuns em qualquer propriedade, ainda que esta plantasse a cana-de-açúcar. Os que não possuíam recursos para os construir, os lavradores ou plantadores de cana, utilizavam o engenho de outra propriedade. Assim, presenciei muitas negociações do meu avô – Pedro Mariano da Silva, mediante algum tipo de compensação, aceitar a moagem da cana dos seus vizinhos. Foi assim que vivi minha primeira infância, onde experimentei as mais doces brincadeiras e posso resgatar essas reminiscências do Barreiro Grande, da minha dourada infância, no engenho do meu vô!

 

Como essas heranças fazem falta às gerações contemporâneas...

 

 

Camila Nascimento.

Janeiro de 2022.


 

 

Camilamsn
Enviado por Camilamsn em 09/02/2022
Reeditado em 07/03/2022
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