O FIM DA LINHA
A morte é um fato que inquieta e instiga o humano desde, no mínimo, que ele se tornou sapiens. Não apenas nos aflige saber que nossos queridos vão morrer, mas também, e principalmente, que nós próprios vamos findar. Atormenta, desassossega, conturba e amedronta. Por que se morre? O que é a morte? Para onde se vai quando se morre?
A morte é o fim definitivo de um determinado organismo antes vivo. É a cessão absoluta da existência, ausência de qualquer coisa. Para muitos, porém, representa tão somente o final da vida corpórea, pois, acredita-se, que a alma é imortal e que continuará em outro plano (espiritual) ou que poderá reencarnar em outro corpo físico. Seja como for, trata-se de um fenômeno universal que acomete tudo que algum dia esteve vivo. A morte é parte integrante da vida, aliás, sua última etapa. Em sua sabedoria o filósofo grego Epicuro (341-270 a.C.) enunciava que “a morte não é nada para nós, pois, quando existimos, não existe a morte, e quando existe a morte, não existimos mais”.
A morte, fenômeno inerente à vida, foi pelo humano personificada. Existe em várias culturas e sociedades contemporâneas e antigas a ideia da morte como uma entidade. No budismo temos a figura de Mara, no hinduísmo Iama ou Cala, no Taoísmo era Yanluo, enquanto na mitologia japonesa há Shinigami e aos extintos astecas existia o deus Tezcatlipoca, por exemplo.
Para nós, ocidentais, criou-se a imagem de um ente esquelético portando uma foice e vestido com um manto e um capuz negros. Também há a imagem de uma velha senhora ceifadora, bem como do anjo da morte. E nenhuma dessas figuras são coisas bonitas para se encontrar.
Sabemos que o ser humano aspira de alguma forma à imortalidade. E como sabemos? Basta se auscultar, perquirir o nosso mais interno interior da alma (psiquismo) que nos habita e quem somos. Porém, a imortalidade não é nossa sina ou destino. A imortalidade é da ordem do divino, não das matérias e das carnes. Como já expressou Fernando Pessoa: “a fome só se satisfaz com a comida e a fome de imortalidade da alma com a própria imortalidade. Ambas são verdadeiros instintos”. Isso o que somos: seres esfomeados de eternidade e temerosos da própria inevitável mortalidade.
Morrer, findar, perecer ou simplesmente desaparecer, são temas obscuros explorados pela poesia. Os poetas são tradutores das entrelinhas da vida, bem como se inclinam a interpretar enigmas e mistérios. A poeta Cecília Meireles (1901 – 1964), por exemplo, representou o morrer como “um suspiro tímido e breve”. Já o poeta Moçambicano Mia Couto (1955 -) definiu como “é só um solavanco”, enquanto Mário Quintana (1906 – 1994) reconhecia que “minha morte nasceu quando eu nasci”. Por sua vez Manuel Bandeira (1886 – 1968) questionou: “morrer sem deixar porventura uma alma errante.../a caminho do céu? /Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?”.
Pelo olhar filosófico o franco-argelino Albert Camus (1913 - 1960) esclareceu que a morte desperta em nós os nossos sentimentos - e se perguntava se não amamos insuficientemente a vida. Por seu turno o psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856 - 1939) afirma que “se quiseres poder suportar a vida, fica pronto para aceitar a morte”.
Celebremos, portanto, a alegria e o desassossego da vida, bem como a tristeza e o pesar dos enterros e dos funerais.