Na década de 80 a comunidade gay começava a aparecer no cenário brasileiro por causa de Cazuza, Renato Russo, Cássia Eller, Rogéria e Madonna que abraçou a causa ao tornar-se um ícone no mundo pop.

          A New Aquarius, única boate gls de Brasilia, reinava absoluta na noite brasiliense sendo o único reduto gay da cidade. Nascida na época da regime militar, resistiu bravamente a censura e a repressão da ditadura. Na sua pista de dança dancei ao lado de estrelas como Miguel Falabella, Cazuza, Claudia Celeste e Rogéria. Concursos como miss gay, garoto molhado, bumbum mais bonito e go go boys completamente nús incendiavam a noite. No seu palco artistas consagrados misturavam-se com iniciantes sem nenhum problema. Na Aquarius podíamos ser nós mesmos sem nenhuma restrição. Nos anos 80 não existia nenhuma lei que nos amparasse, nem paradas gays, então nós combatíamos era na raça, na coragem e na porrada mesmo. Não tínhamos medo de nada e um ajudava o outro. Mas o paradoxo disso tudo era que éramos muito, mas muito felizes e fazíamos tudo que queriamos. Era muito bom e até hoje tenho grandes amigos que fiz naquele tempo.

          Certa noite Rogéria iria se apresentar com os Leopardos, um grupo de go go boys que fazia muito sucesso na galeria alasca no Rio de Janeiro. A boate estava lotada e o calor estava insurpotável. Eis que a rainha dos gays entra no palco linda com um casaco de vison, canta em francês e ao terminar, conversando com o público, alguém da platéia grita:

- Tira esse casaco viado, tá calor.

          Rogéria para de falar, joga o cabelo para trás e rebate na lata:

- Teatro não tem estação viado.

          Rogéria era uma estrela e aprendeu a sobreviver na marra porque sofreu toda a repressão da ditadura militar. Sua resposta rápida ela aprendeu quando por necessidade, tinha que se defender até mesmo para trabalhar. Muitas vezes saiu do teatro para a prisão e no outro dia estava no mesmo teatro fazendo o mesmo show podendo ser presa novamente.

          Anos depois, já perto de sua morte, encontrei-a no Rio e ela como sempre muito simpática atendeu a todos. Eu pensei: será que ela lembra daquela noite? Talvez não. Quantos momentos iguais aquele ela deve ter enfrentado na vida. Tenho certeza que hoje ela brilha nos palcos da espiritualidade.

 

José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 06/02/2022
Reeditado em 11/02/2022
Código do texto: T7446249
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