Ontem no trem: E a outra porta?
Ontem no trem!
“ Minha vida que parece muito calma
Tem segredos que eu não posso revelar
Escondidos bem no fundo de minh'alma
Não transparecem nem sequer em um olhar”
Embarco no trem. Saudades da correria, do borburinho, de gente... da vida como ela é. Devo ser maluca. Mas gosto disto!
Trem lotado, entro correndo e me ajeito para minha observação diária... Voltei com a corda toda... ano passado estava surumbatica e voltada para meus problemas...
Vida que segue!
Observo um rapaz que vejo em todas viagens que faço durante mais ou menos quinze anos. No mesmo horário, vendendo as mesmas mercadorias e com o mesmo discurso: “Calma! Não precisa empurrar! Já vou aí menina! Faz fila, tem mercadoria pra todo mundo.”
Com este discurso o homem de bermuda e chinelo toda manhã percorre o vagão e pasmem nunca o vi vender se quer uma bolsa.
Apesar disso ele está ali todos os dias com suas eternas bolsas e com seu manjado discurso.
Desce em Senador Camara com uma aparente tranquilidade de dever cumprido.
Hoje me intrigou tal fato: O que o leva acordar pela manhã e ir para o trem? O que leva aquela criatura insistir em vender as bolsas? Por que ele não muda? Por que o discurso ? Seria esperançoso ou irônico? Seria persistência ou insistência tola?
Não sei dizer. O que leva o ser humano a ficar, a insistir, a tentar mais uma vez, a esperar, a crer no “ mais um pouquinho”... O que leva a pessoa, apesar de todas as evidências, a não tomar uma decisão? Não sei dizer. Fácil é dar palpite na vida do outro, difícil é se colocar no lugar do outro... Toda atitude, escolha, mudança e decisão significa também perder. Viver envolve risco. Quem te garante que a outra porta, que o outro caminho, que a outra atitude te farão mais feliz? Não é tão fácil assim.Cada um sabe quando e se está disposto ou preparado para apostar. Como dizia Renato Russo:”temos nosso próprio tempo”. Não é tão simples assim “resenhar” a vida do outro.
Com certeza a criatura e suas eternas bolsas tem um motivo, talvez nunca saberei, mas sei que tem.
Como dizia Belchior: “ o ser humano é tanto que não cabe em uma canção.”
Beijo no coração!