A CONDENAÇÃO DOS POETAS
Poetas são seres nefastos e vis.
Das suas mãos escorrem palavras capazes de revirar almas
do avesso, destroçando-as sem dó.
Dos seus olhos saem cheiros que devastam corações,
que incendeiam sonhos, que desnudam sentidos.
Da sua inspiração evocam vidas que não envelhecem,
não titubeiam, não dormem, não sucumbem ao voar do tempo.
Poetas carregam segredos usurpados dos séculos,
conhecem como ninguém as poções que fazem o mar
caducar, o silêncio enlouquecer, a razão desembestar.
Neles não há arestas, não há ciladas, não há perdões.
Poetas não se curvam à Deus, nem ao pó do medo.
Essas criaturas bizarras vagueiam pelos torpores da
fé, pelas mãos trêmulas do vazio, pelos suores atiçados
do bem-querer.
Que se enclausurem todos poetas nos calabouços da
paixão e assim deixarão de untar os homens com
seu condão destemperado da voz das certezas,
sacudindo nossos poros num tsunami sem fim.
E eu, que tento enveredar pelos chãos poéticos da vida,
voluntariamente me sentencio a cumprir essa pena
sem chiar, sem esbravejar, sem desandar meu coração.