EU QUERO A MINHA MÃE!
Quantas vezes, nos momentos de aflição, eu não falei, gritei e até chorei esta frase para me defender da crueza de uma existência sem passado, sem pureza, sem candura, toda ela voltada para a satisfação de egos deformados e ignorantes da existência do outro?
Quantas vezes eu gostaria de chamar por você, mãe, sempre enérgica e atuante, sempre pronta a me acudir, a seu modo, quando ninguém mais acreditava em mim?
Venha, mãe, venha me ajudar, venha me dizer palavras de conforto e alento, para me encorajar a confrontar a vida tão cheia de recantos amargos e surpresas quase sempre desagradáveis.
Eu quero você autoritária e dominadora, dura em certas horas em que eu esperava doçura, mas batalhadora e decidida quando o pai fraquejava e ficava desempregado.
Quantas noites eu acordei ao som da sua máquina de costura, remendando nossas roupas ou consertando as dos vizinhos, cobrando para passar a ferro, lavando roupas à mão – já que máquinas para isso ainda não haviam sido inventadas. Muita comida você nos deu através de sua luta no dia-a-dia, mãe.
Como você era saudável. Uma dorzinha de cabeça, de vez em quando, para não dizer que era imune às tensões que a torturavam.
Quanta saudade, mãe...Lembro do dia em que passávamos, de bonde, pela Avenida Presidente Vargas e o tráfego intenso fez com que o coletivo parasse, bem em frente a uma daquelas transversais onde a presença de muitos homens diante de diversas casas identificava os locais onde se praticava sexo em troca de dinheiro. Estávamos, você, minha irmã e eu, olhan-
do em volta, quando a mana, em sua inocência, perguntou:
- Mãe, por que tanta gente nessa rua?
Você olhou na direção do dedo da maninha, pensou um pouco e respondeu:
- Feira, minha filha, feira.
Somente muitos anos depois eu iria entender a saída magistral que você encontrou para não deixar nossa Nellyzinha sem resposta.
“Meu filho jamais soltou pipa ou jogou bola na rua” – você dizia orgulhosamente para suas vizinhas quando me apresentava a elas, eu já adulto.
Ah, mãe, que doce e constrangedora mentira. Quantos dedos magoados, das mãos e dos pés, não tive de esconder de você para fugir dos cascudos e castigos.
Você quase não teve estudos. Seus pais eram dos tempos em que as mulheres pobres eram “preparadas” para as “prendas do lar”, ou seja: lavar, passar, cozinhar e..ter filhos. Seu pouco convívio com pessoas letradas tornou você rude e deformadora da realidade à sua volta.
“Meu filho usa barba porque é professor e assim os alunos acham que é mais velho e têm mais respeito por ele” - dizia você para suas amigas.
Cândida mentira. Passei a usar barba por pura preguiça. Estava sempre pronto para sair, sem preocupação com má aparência.
- Não vai fazer a barba? Está com cara de “mindingo”, E lá ia eu para a frente do espelho. Quantas vezes esqueci de comprar uma lâmina nova e acabava me cortando ou saía com o rosto rubro de tanto passar a lâmina cega.
Você morreu velhinha e já bastante desligada do mundo, mãe. Como sinto a sua falta...
Principalmente quando a solidão mais me dói...