PAJÉ DOS PAJÉS

Somos como um dado, com diversas faces. Dependendo do jogo, da temperatura, do cenário, do roteiro, deixamos transparecer uma delas. Temos a face de primata, rude, pouco afável. Temos a face saltitante, fagueira, bagunceira, indomada. Temos a face esquisita, sujeira a chuvas e trovoadas sem aviso prévio. Temos a face de anjo, pródiga em tudo entender, tudo relevar, tudo deixar barato. Temos a face besta-fera, de dentes prontos pra estraçalhar, esmigalhar, destroçar, destituir. Temos a face breu, misteriosa, ardilosa, passível ao motim, ao chutar do pau da barraca, com a sofreguidão das avalanches, dos estouros de boiada, dos sobressaltos da paixão. Temos a face fedida, encardida, cheia de musgos por todo lado. Tem a face linda, frondosa, abençoada e predileta de Deus. Tem a face ermitã, fadada à solidão eterna, que não quer saber de nada de ninguém. Tem a face terminal, que já fez todo o possível pra não jogar a toalha, mas já abdicou de tudo. Tem a face encantada, de poros curadores e alma de pajé dos pajés. Tem a face zen, de calmaria em campo aberto e sossegada em cada vértebra, cada ferrolho, cada grão de areia. Tem a face madura, com entendimentos afiados e certezas sem arestas, nem fiapos, nem reveses, nem contraindicações. Somos um amontoado de faces, cada uma com seus passos, com seus cheiros, com sua canção, com seu gotejar de vida.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 02/02/2022
Reeditado em 02/02/2022
Código do texto: T7442839
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