PAJÉ DOS PAJÉS
Somos como um dado, com diversas faces. Dependendo do jogo, da temperatura, do cenário, do roteiro, deixamos transparecer uma delas. Temos a face de primata, rude, pouco afável. Temos a face saltitante, fagueira, bagunceira, indomada. Temos a face esquisita, sujeira a chuvas e trovoadas sem aviso prévio. Temos a face de anjo, pródiga em tudo entender, tudo relevar, tudo deixar barato. Temos a face besta-fera, de dentes prontos pra estraçalhar, esmigalhar, destroçar, destituir. Temos a face breu, misteriosa, ardilosa, passível ao motim, ao chutar do pau da barraca, com a sofreguidão das avalanches, dos estouros de boiada, dos sobressaltos da paixão. Temos a face fedida, encardida, cheia de musgos por todo lado. Tem a face linda, frondosa, abençoada e predileta de Deus. Tem a face ermitã, fadada à solidão eterna, que não quer saber de nada de ninguém. Tem a face terminal, que já fez todo o possível pra não jogar a toalha, mas já abdicou de tudo. Tem a face encantada, de poros curadores e alma de pajé dos pajés. Tem a face zen, de calmaria em campo aberto e sossegada em cada vértebra, cada ferrolho, cada grão de areia. Tem a face madura, com entendimentos afiados e certezas sem arestas, nem fiapos, nem reveses, nem contraindicações. Somos um amontoado de faces, cada uma com seus passos, com seus cheiros, com sua canção, com seu gotejar de vida.