Sabores

“O amargo transforma”, já diz o bordão de uma campanha publicitária de água tônica. Gosto é uma coisa que se constrói e sofre mutações ao longo da vida. Sou apaixonado por sabores amargos.

Aconteceu primeiro quando aboli o açúcar do meu café. Café preto, puro e forte, é assim que gosto. No início é difícil mesmo, mas logo se vê longe das presilhas do açúcar.

Depois veio a preferência por cervejas fortes em amargor (alto IBU). Uma boa IPA não decepciona. Ao cortar a bebida, conheci a água tônica (sem açúcar) e, mais uma vez, me peguei apaixonado. Com ou sem limão, me fascina essa bebida.

Então resolvi consultar uma nutricionista, a qual me passou, como parte da dieta, iogurte natural integral. Jamais havia provado. Realmente, o primeiro copo desceu rasgando, quase não consegui terminar. No entanto, pego de surpresa ao ir para o segundo, me vi gostando da coisa. Hoje tomo diariamente e, mesmo puro, acho muito gostoso o sabor. Como um passe de mágica foi isso: pensei até estar de Covid e com o paladar comprometido.

Interessante é reparar como as preferências gustativas vão mudando ao longo da vida. Quando crianças, amamos os doces e nos benzemos contra o amargo. Não nego que ainda adoro um doce (principalmente os gelados), mas o seu antagonista conquistou lugar de destaque para mim. Chocolate amargo é uma profanação contra o doce. Era pra ser doce, tem cara de doce, mas é amargo. Está na milha lista de prediletos.

Creio que quem admira o amargo, pelo menos um pouco, também gosta do agridoce. O agridoce é a mistura do doce com amargo (ou ácido). Sabores opostos se confrontando diretamente e de forma equilibrada: um impasse. Um não pode se sobrepor demais ao outro, de outra forma o agridoce deixa de ser. É a ambiguidade, dada pelo contraste, que produz a maravilha.

Aquelas balinhas super ácidas são um atentado à resistência, resiliência, paciência e disciplina do pobre coitado que não pode com açúcar. Uma boa mousse de limão, um sorvete de caramelo salgado... todos irresistíveis. Crianças têm maior aceitação do ácido em relação ao amargo. Minha afilhada adora as tais balinhas ou chicletes super ácidos.

Muitos sabores nós aprendemos a apreciar com o tempo. Agora, parece que algumas coisas estão no nosso DNA, enfiadas tão fundo que não há como delas se apartar. Fígado não é aceito pela minha língua de forma alguma! Pelo que me lembre, é a única coisa que não me desce. E quem gosta, gosta muito! Meu cunhado não aceita queijo algum, nem seus derivados. Já sua esposa, minha irmã, não aceita presunto. Há algumas situações engraçadas (ou estressantes) que posso contar outra hora em relação a eles pedindo uma pizza ou lasanha em restaurantes – podem imaginar.

Tem um remédio (a rigor, suplemento alimentar) que, quem não tomou na infância, deveria tomar. Só pra experimentar. A Emulsão Scott, ou óleo de fígado de bacalhau (seu princípio ativo). Pela descrição, o leitor já pode imaginar a intensidade do sabor disso. É realmente apocalíptico para a língua, parece que as papilas gustativas se põe a brigar umas com as outras com facas e motosserras.

E tem sabores que, para mim, estão escondidos e são de difícil alcance. O sabor correto, calibrado, de uma simples colherada de arroz com feijão é um deles. Não é todo arroz com feijão que apresenta aquele saborzinho perfeito, mas ele existe, está lá, escondido em algum lugar do paraíso. Outro sabor secreto que tenho na minha lista é de pipoca. Quando se faz uma pipoquinha em casa, artesanal mesmo, alguns grãos saem mais amarelados que outros e parecem não crescer tanto quanto o normal. Essa pipoca amarela é, pra mim, sublime. Mas são acidentes de culinária, não sei como fazer uma pipoca só daquele jeito! Se alguém souber do que estou falando, me ensine a fazer, por favor!