Tons de viver
Só descobri que a vida tem tom, como na música, quando perdi o meu. Quem entende de partitura, esse recurso que músicos usam para executar uma composição, sabe do que estou falando. No começo de cada peça há uma armadura, composta por sustenidos ou bemóis, os acidentes musicais. Quando não há nenhum acidente o tom é dó maior ou lá menor.
Para compreensão do sustenido e do bemol posso dar um exemplo fácil. O sustenido é o subir de uma ladeira ou escada, com energia e entusiasmo, não por acaso é marcante em tons maiores. O bemol é o oposto, o descer de um percurso com cansaço, quase despencando, por isso marca bastante tons menores. Música é uma arte complexa, qual não é? Por isso, saiba que existem sustenidos em tons menores e bemóis em tons maiores. E tudo vai muito bem.
Voltando à armadura, notei que ela é responsável por determinar o tom da composição. Se maior, alegre; ou menor, melancólico. Define toda a música, a não ser que se insira uma nova armadura modificando o tom inicial. É possível tornar uma música mais vibrante subindo um tom, e modulando, ao adicionar um tom diferenciado, mas que não cause nenhuma cacofonia.
Me ocorreu que a vida em sua tecitura é como uma partitura de música. De início não escolhemos nada, há sempre outras pessoas impondo tom e ritmo. Deveras, música é arte da maturidade. Conforme crescemos nos julgamos capazes de formar uma armadura e executar os primeiros compassos. Adolescência é a fase! Mas nessa altura somos ingênuos a ponto de não perceber que assim como na música a vida tem acidentes, e veja, às vezes acidentes são adicionados à composição a fim de embelezá-la. É belo, de fato, mas não está previsto na armadura inicial.
Enfim, a maturidade é a fase onde se espera, e cada um faz a força que pode, ter o tom e ritmo bem definidos. Livre-se da velha lamúria acusatória da "pressão social", é a vida pulsando, e lá no íntimo sabemos disso. É hora de ser compositor, ou mesmo maestro e apossar-se da batuta, ainda que na ilusão de reger a vida.
A música não tem apenas figuras de som, mas também de silêncio, do contrário seria arte impossível. Lembro-me das primeiras vezes em que toquei numa banda, com raros violinos em meio a expressivos instrumentos de sopro. Acontecia de me perder na contagem dos compassos, mas eu continuava tocando para que o maestro e o público não percebessem que eu estava completamente perdido e na esperança de uma hora me encontrar. As figuras de silêncio, os momentos onde eu devia parar de tocar e somente contar os compassos, me causavam especial confusão.
Aprendi que na vida é fácil perder o tom, o ritmo e os compassos, mas o show não pode parar. Com o tempo, já não me perdia mais nas apresentações com a banda, finalmente me sentia confortável executando o que devia executar e parando para contar o silêncio. Ah, a vida é como uma partitura de música.