Tiago, a autoridade do depoimento!
Creio poder afirmar que a minha família, para os padrões da época, e à semelhança de tantas outras não poderia ser considerada um "padrão normal" de constituição familiar. Entenda-se por "normal", o casamento monogâmico entre um homem e uma mulher com filhos naturais gerados na consangüinidade do casal.
É claro que, mesmo em minha época, ainda existiam traços da poligamia praticada há séculos no contexto da nossa cultura, e que vinham sendo corrigidos na medida em que a própria sociedade avançava no seu desenvolvimento social com o justo reconhecimento do valor e da dignidade da mulher.
No entanto, confesso, ainda estávamos muito distantes do ideal, pois aqui e ali, no cotidiano da nossa vivência em sociedade, ainda eram praticados os arroubos do machismo dentro de uma cultura essencialmente patriarcal.
Para começar, a diferença de idade entre o meu pai e a minha mãe era enorme. Na verdade, a minha mãe era ainda muito jovem quando foi prometida ao meu pai em casamento.
Até aí, nada demais, até porque era muito comum em nossa cultura a aliança de casamentos arranjados ou, prometidos entre famílias. Tudo corria bem, até o dia em que o meu pai veio a saber, pela minha própria mãe, que ela estava grávida, e que a gravidez acontecera de forma sobrenatural, inusitada. Segundo ela, um anjo lhe aparecera e dissera que ela ficaria grávida sem nunca ter mantido qualquer relação sexual com homem algum.
Meu pai assumiu o casamento, mesmo assim, e o meu irmão mais velho nasceu. Deram-lhe o nome de Jesus, segundo a minha mãe, por orientação do anjo que lhe aparecera quando do anúncio da sua gravidez. O próximo filho do casal fui eu, Tiago, seguido dos manos José, Simão, Judas e as nossas irmãs.
Todos nós, homens, trabalhávamos como carpinteiros seguindo a profissão do nosso pai José, e assim foi até a sua morte. Nesse tempo, Jesus, o nosso irmão mais velho, decidiu deixar a profissão para se dedicar ao que ele chamava de vocação. Deixou a cidade onde morávamos, Nazaré, e foi morar em Cafarnaum.
Identificado pelas multidões que o seguiam por toda parte, era conhecido como o Nazareno ou, o Rabi de Nazaré. Agregou em torno de si um pequeno grupo de discípulos e passou a peregrinar por toda a Palestina.
As notícias que nos chegavam dele através dos nossos amigos eram espantosas. Dizia-se que em Caná da Galileia ele havia transformado água em vinho. Pessoas, e não eram poucas, afirmavam terem sido curadas por ele. Em determinada ocasião, na terra dos gadarenos ele teria libertado um cidadão de Gadara da opressão maligna e isso causou um grande espanto em toda a população daquela cidade. Pessoas com deficiências físicas davam testemunho às multidões de terem sido curadas por ele, dentre estes, cegos, aleijados e surdos. Houve até um rebuliço na aldeia de Naim e também em Betânia quando ele ressuscitou o jovem filho de uma viúva e o conhecidíssimo Lázaro, filho de Simão, o leproso, e irmão de Maria e Marta.
De fato, a sua popularidade era grande, mas isso também lhe trouxe problemas. As autoridades dos judeus, os principais sacerdotes, os escribas, os fariseus e os saduceus motivados pela inveja passaram a persegui-lo e a ameaçá-lo de morte, pois as multidões testificavam que os seus ensinamentos eram proferidos com autoridade, muito diferente dos sacerdotes que pareciam ter aderido à máxima "Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço".
Pessoalmente, durante um bom tempo eu julguei que o meu irmão havia perdido o juízo. Cheguei a pensar, comigo mesmo, que a morte do nosso pai teria sido responsável por sua decisão de deixar a família para trás e se tornar um profeta peregrino. Algo como os efeitos de uma profunda depressão!
Tendo assumido o arrimo da nossa família após a morte do nosso pai, e da decisão do nosso irmão de deixar a família, conversei com minha mãe e meus irmãos e decidimos procurá-lo em sua casa na cidade de Cafarnaum. Estávamos mesmo, dispostos a tirá-lo de lá e trazê-lo de volta para o convívio familiar no interesse de ajudá-lo. Certamente ele havia perdido o juízo e se continuasse daquele jeito, em breve seria preso e acusado de sedição do povo.
Fomos até Cafarnaum, mas não conseguimos dissuadi-lo da vocação abraçada. Aliás, naquele dia foi até muito difícil nos aproximarmos dele por causa da imensa multidão que se acotovelava à porta da sua residência. E Ele dava atenção a todos, sem fazer qualquer distinção e sem cobrar absolutamente nada pelo atendimento dado ao povo, tão diferente do que viria a acontecer muitos anos à frente!
Estupefato, ouvi dele naquele dia uma declaração que me fez pensar seriamente no tipo de religião que eu vinha praticando. Sim, eu era religioso e gostava de ir ao templo ou à sinagoga para ouvir e aprender os ensinos dos profetas através da Lei de Moisés e das demais Escrituras.
Quando disseram a Jesus que a sua família estava ali e queria vê-lo, ele se virou para os discípulos e para a multidão, dizendo:
"Qualquer que fizer a vontade de meu Pai celeste esse é meu irmão, irmã e mãe."
Embora discordasse dele e do seu estilo de vida, aquela declaração levou-me a pensar seriamente no tipo de religiosidade praticada por mim. Vários anos se passaram. Meu irmão foi preso, acusado pelos líderes religiosos de subverter os ensinos da Torá e de ameaçar destruir o templo sagrado de Jerusalém; foi entregue aos romanos, julgado, condenado e crucificado como se fora um malfeitor qualquer.
Claro que isto não era verdade, pois até Pôncio Pilatos tentou livrá-lo da morte por considerá-lo inocente. Mas, enfim, foi crucificado e, inexplicavelmente, ressuscitou após o terceiro dia. Apareceu aos discípulos de forma sobrenatural e, quarenta dias após a sua ressurreição ascendeu aos céus de forma sobrenatural e à vista de uma pequena multidão reunida no alto do Monte das Oliveiras.
Já se passaram mais de dez anos desde que todos estes acontecimentos se sucederam. Muita coisa mudou dentro de mim, desde então, e a ressurreição de Jesus foi crucial para que eu mudasse a minha opinião sobre o seu ministério fazendo com que eu, de fato, viesse a crer na sua identidade como o Messias de Israel.
Lembro-me do que teria dito, certa vez, Nicodemos, um dos principais dos judeus, acerca de Jesus: "Ninguém poderia estar realizando estes sinais, se Deus não os estivesse confirmando com Seu poder e Sua presença".
Estamos no ano 45. Em Jerusalém, passei a ser reconhecido como uma das colunas da Igreja recém nascida. Com humildade o digo, fico feliz com o reconhecimento, porém, isto coloca sobre mim a responsabilidade maior de bem conduzir o que considero como sendo o rebanho de Deus.
Por esta razão, e também por causa das aflições e perseguições por que passam muitos dos nossos irmãos, decidi escrever-lhes uma carta pastoral buscando encorajá-los à fé em Jesus.
E para não me fazer extremamente cansativo provocando, talvez, uma certa impaciência do leitor, convido-o a prosseguir a leitura na próxima semana quando caminharemos juntos pelo que chamo de "Caminho da Esperança" em meio ao caos por que vive este nosso mundo.
Posso contar com você?
Deus te abençoe!
Pr. Oniel Prado
Verão de 2022
23/01/2022
Brasília, DF