O DESTINO DAS NUVENS
Às vezes penso como a vida corre e é breve e passageira. Mas logo percebo que ela já existia bem antes de eu chegar e permanecerá muito além do meu mais absoluto desaparecimento. Não é a vida que me foge, sou eu quem dela há de se retirar.
Todos viemos dos escuros líquidos dos ventres maternos e iremos desvanecer soterrados pelo negrume do manto sinistro que fatalmente nos encobrirá no chegar indesejado da hora incerta.
Todos queríamos a imortalidade, mas nem os deuses da Mesopotâmia foram assim tão eternos. A perpetuidade não nos cabe nos estreitos limites de nossas carnes. Não há matéria, substância ou corpo que não se desgaste, deteriore ou apodreça. Os fétidos odores que exalamos de dentro são como antecipações do cadáver que um dia nos tornaremos.
Não são raros os instantes em que invejo os crentes e os ingênuos, os beatos e as crianças. Aos piedosos, aos fervorosos e aos míticos são deles o Reino do Céu. Aos infantes e aos acriançados são deles a magia pueril e ingênua da perenidade. Os pequenos não sabem que a infância tem seu prazo de validade.
Somos transitórios como as nuvens que parecem flutuar lentas atravessando o espaço azul que nos acoberta, mas que logo são engolidas pela boca faminta do horizonte. Meu futuro termina quando acaba o firmamento. Queria o céu cristão de minha mãe, porém ela morreu afogada aos 45 anos. Se eu estiver enganado, como acho que não estou, talvez a reencontre nos jardins dos seus santos em meio à multidão de anjos.
Mas por que nos é tão contraditório lidar com a finitude, visto ser ela é a única certeza que temos? Aliás, tenho duas certezas. Primeiro que irei morrer. E como não morri ainda, então estou certo de que estou vivo. De nada sei o que havia antes de mim, assim como nada sei o que virá depois de mim. O que apenas sei, e já não me é pouco, é que existo, continuo existindo, até que me transforme em um nada – que ao humano é algo suprimido de se pensar. Não há espaço para o nada em nossa mente. Mesmo os vazios que sinto trazer eles são preenchidos de saudades ou de desejos.
Decerto desviver se opõe à alma, que em grego chama-se psykhé. Na Antiguidade dos gregos antigos, a alma (psique) era representada por uma vestal com asas de borboleta. Reza o mito que Psique era uma mortal filha de um rei que se apaixonou reciprocamente pelo deus Eros, e com ajuda de Zeus tomou ambrosia e se tornou imortal. E é isso o que somos, almas humanas em busca de suas ambrosias. Somos animicamente alados, embora, de fato, existimos como criaturas provisórias e breves.
Às vezes me encontro pensando como a vida passa. Mas sou eu quem passo. A vida nos é tão somente paisagem.