Vivência de Percepção Deficiente
Os que passaram de oitenta anos de vida, sabem que uma série de problemas causados pelo tempo de trabalho do organismo começa apresentar falhas e disfuncionalidades.
O neurologista aconselhou-me, caso quisesse ter capacidade para caminhar e enfrentar escadas por mais algum tempo, então deveria fazer musculação.
Confesso que sempre tive alergia a esse tipo de exercício. O que me dava muito prazer era prática de alguns esportes e dança nos salões dos clubes e nas casas, em celebrações de família. Entretanto, como a indicação era prevenir situação nunca desejada, iniciamos essa árdua, monótona e incômoda atividade.
No final dos exercícios estipulados existe a indicação de se fazer alongamentos. Como a música é horrorosa e o ambiente é fechado, vou a uma sacada a céu aberto e, contrariando as ordens recebidas da instrutora, faço lá os tais alongamentos.
Dessa sacada avisto o prédio em de meu novo lar, aceno para meu amor definitivo que, calculando o horário que estarei alongando, se dirige a uma pequenina varanda.
Em cima do prédio avistei, com as dificuldades e disfuncionalidades que tenho, imagem que me chamou atenção e comecei imaginar sua serventia para o nosso condomínio. Identifiquei a imagem como espécie de grande escultura de folhas de metal leve, suspensa por estrutura formada por dois cilindros. Identifiquei a imagem como similar a um corpo bem grande de um humano (espécie de grande robô).
Enquanto alongava, fiquei a imaginar qual a sua serventia, como parecia que as partes correspondentes aos braços e a cabeça sofriam movimentos com o soprar do vento, imaginei que seria uma escultura bem estilizada com a função de indicar a direção do vento.
Alterei meu caminho de volta, para o outro lado da rua, de forma a observar a imagem mais de perto. Não consegui encontrar o tal equipamento, a tal imagem, mas descobri que na cobertura do prédio (quinto andar) existia espécie de grande área ornamentada com algumas palmeiras de pequeno porte (não aquelas imperiais).
Dois dias depois, voltei para o tratamento na academia, levei o celular, cuja lente não tem minhas disfuncionalidades, e aí olhando a foto fui entender o que vira. Fora uma palmeira com tronco inclinado (uma perna); o tronco de outra palmeira um pouco mais atrás (a outra perna) e as palmas das duas palmeiras desenhando muito bem os braços e a cabeça. O vento ao balançar as palmas produzia, para meu observar limitado, a impressionante imagem.
Essas experiências ratificam a sabedoria popular, contida em seus ditos, que nos alerta sobre se iludir: “as aparências enganam”; “nem tudo que brilha e ouro, nem tudo que balança cai”, e “o lobo muda de pele, mas não de intenção
Além disso, um observador sem minhas deficiências, além de ter dificuldade em entender como pude ver espécie de robô enxergaria imagem bem mais próximo da realidade, registrada pelo celular.
Os que estudam a psiquê, afirmam que existe um fenômeno denominado projeção, em que enxergamos no próximo, muito de nós mesmos, ou projetamos no próximo, aquela expectativa da qual dependemos, que precisamos, ou aquilo que nos perturba.
Erich Fromm, psicanalista destacado ao estudo e análise do homem e da sociedade, quando fala sobre idolatria e relação doentia sado masoquista (ilustrando: senhor e escravo: e os estereótipos: “mulher de malandro”; “corno manso” ...) afirma: “a irracionalidade dessas relações passionais, ‘Uniões Simbióticas’, pode ter sua causa representada por: ‘o indivíduo tenta sujeitar-se a pessoa ou poder, que considera irresistivelmente superior. O masoquista foge do insuportável sentimento de isolamento e separação tornando-se parte e porção de outra pessoa, que a dirige, guia, protege; que, em suma, é sua vida e seu oxigênio”.
Pelas análises de Fromm e por tomadas de consciência de vivências de percepção deficiente, entende-se que este fenômeno social denominado “populismo” deve ter origem em alguma coisa semelhante à experiência vivida por percepção deficiente coletiva, ou algo semelhante a uma “projeção coletiva”, ou ainda a “união simbiótica” em que grande grupo social se dissolve no super-homem - mito, salvador da pátria, ou outra imagem sedutora à idolatria, ou arranjos entre as três.
Vivemos situação desesperadora, desemprego, fome, falências, inadimplências, muitos vivendo baixo da linha da miséria, desacreditamos na competência dos poderes republicanos, então, por desespero e necessidade, projetamos em alguém super poderes. Criamos mitos, salvadores da pátria ...
Assim, surgiu no cenário internacional “stalinismo”, “seguidores de Hitler”; “peronismo”; “chavismo” ... Mais especificamente em terras tupiniquins, excluindo os populismos regionais (que não são poucos): “getulismo”; “brizolismo”; “janismo”; “lulismo” e “bolsonarismo”.
E isso continuará. Essa mesmice de mitos, salvadores da pátria continuará, até que entendamos nossas percepções eficientes e procurarmos outro caminho, olharmos mais de perto, olharmos de forma crítica e investigativa, para reduzirmos o tamanho de nossas percepções deficientes.
Adeus eleitor velho, feliz eleitor novo.