Minha terra minha gente ( A passagem dos elefantes....)

Um mundo antigo, hoje com uma história do final dos anos 30, tempos de muita paz transformados em saudades da nossa terra em terras africanas, eternamente palco de contos lindos.

O distrito de Moçâmedes, Sul de Angola, meu chão, sempre foi referência de grandes rebanhos de gado do país , especificamente gado bovino de abastados fazendeiros da época tanto quanto de mucubais. Sim, era o número de cabeças de gado que fazia a riqueza daquele nosso povo nativo. No entanto, tal como o gado da população branca, tinha de permanecer saudável e portanto habitualmente assistido pelo governo português com vacinas e cuidados sanitários. Mas havia um mundo paralelo, distante desse controle sanitário.

Angola era imensa para os recursos disponíveis naqueles tempos antigos, e sem possibilidade de profissionais à altura. Sem assistência sanitária, para além da carne de aves como capotas e codornizes carne das cabras do mato e gazelas , tínhamos a de caça grossa, a de olongos, antílopes africanos órix. Era uma carne extremamente macia e de paladar delicioso. Ninguém dispensava os tais “bifes de caça”, como os chamávamos. Embora não tão freqüente nas cidades , salvo algum presente de alguém recém chegado de uma caçada, era uma carne muito procurada em restaurantes de estrada , povoações pequenas como a Bibala/Vila Arriaga, ali logo abaixo da fenda da Tundavala já no Distrito vizinho da Huíla e por onde passávamos tantas vez. Até hoje guardo na memória alguns pontos destes. Esta paragem na base da velhinha serra da Chela, era paragem obrigatória pra se fazer uma refeição ou tomar uma bebida fresca; local muito, muitíssimo quente.Derretíamos de calor quando por lá passávamos.Como eu lembro disso!...

Quem não se lembra do “Bibala Hotel”...Os donos tornaram-se velhos conhecidos de nossos pais, e já nos recebiam com um sonoro:

-“bifes do bom olongo pra hoje, doutor Carneiro, ou prefere as cordonizes?”

Aos ouvidos de meu pai isto soava a música. Ele adorava carne de caça. Eram carnes degustadas sem qualquer restrição, sem fiscalização sanitária e que por isso recusada por quem sabia dos riscos,por exemplo, por meu padrinho Dr Trigo, veterinário naqueles tempos. Ótimo profissional , Diretor dos Serviços de Veterinária do sul de Angola tal meu avô Dr Carlos Carneiro a quem substituiu em 1937, meu padrinho aventurava-se por aqueles matos até onde dele precisassem e mesmo na assistência de rebanhos menores. A ninguém era negado apoio . Foi assim que conheceu um modesto criador de gado, homem branco , com muitos filhos, pobre mas sempre com muitos esmero a cuidar das suas poucas cabeças de gado e atenções com meu padrinho quando por lá passava e portanto pernoitava. Assim exigia aquele trabalho a tais distâncias. À chegada já era avisado que seus bifes de vaca já lá estavam preparados e esperavam por ele. Com meu padrinho não havia essa de “carne de caça”, não!Eram os bifinhos de vaca ou nada!

Ótima refeição! Chega a hora de dormir é conduzido a seu quarto embora que muito modesto, mas com todo o conforto que lhe podiam propiciar. Cai redondo a dormir.

Sono naturalmente pesadíssimo, até pelo cansaço do dia, mas não o suficiente de não ser acordado a meio da noite por um estrondo, um barulho como nunca ouvido antes . Parecia a explosão de vulcão.Nos tempo de hoje talvez pensasse na queda de um meteoro( piada ,minha rsrsrs).

Assustadíssimo, sem saber o que fazer pôs-se aos gritos a chamar o amigo. Não tardou nem um minuto e lá estava ele com uma coleção de filhos em fila pra acalmar meu padrinho.

-“Meu amigo, Dr Trigo, não tenha medo. Tudo na mais Santa Paz! - disse-lhe ele com o braço à volta do ombro e alguns dos filhos a abraçarem-lhe as pernas,. Não é nada. Temos de nos entender com os elefantes. Quando nós aqui chegamos este local já era deles e nós temos de respeitar a passagem por estas bandas. Buscam por água nas madrugadas e como está um pouquinho longe e eles caminham com alguma pressa.Esteja descansado .Quer que alguns de meus filhos fiquem aqui com o Sr para lhe fazer companhia?"

-Áh , então são elefantes do lado do meu quarto!...Tudo tranquilo, então. Tranquilíssimo! ”- adiantou meu padrinho.

Mas me diga uma coisa: vejo que aqui lutam com a falta de algumas coisas...Posso ajudá-los de alguma maneira?

- Sim, bom doutor. Tal como os elefantes precisamos pegar água muito longe e isso nos cansa muito. Poderíamos ter um poço de água aqui perto?

E assim, foi. Meu padrinho mandou fazer um belo poço de água para aquela família e assim, dali para a frente só elefantes tinham de se deslocar à procura de água. O barulho não acabou, e tinham de continuar a respeitar os passageiros das madrugadas, mas muito mais descansada e feliz andava aquela boa família.

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Lana

Lady Lana
Enviado por Lady Lana em 23/01/2022
Reeditado em 23/01/2022
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