Ao avesso em pleno domingo
— Tô de casa!
Alguém chama à porta. Não sei quem é, mas, apesar de ser domingo, a chance de ser um vendedor desassalariado é grande.
Semana passada atendi, em único dia, seis desses trabalhadores itinerantes. Um vendia pomadas para calos, dois trabalhavam com consertos de fogões, um tarólogo, outro, vendedor de cosméticos e o derradeiro era servente de pedreiro querendo saber se o quintal precisava ser limpo, se as paredes de casa estavam inteiras, se o telhado tinha pingueiras...
Das questões que levantou, a que me deixou mais duvidoso quanto a que resposta dar foi a relativa a pingueiras no telhado. Quintal em casa não tenho, e as paredes visivelmente parecem no lugar. Quanto às pingueiras no telhado, no entanto, não dá para responder com base em empirismo. É preciso chuva derramar no telhado, para chegar a afirmar ou negar a existência das pingueiras. E como não lembro com exatidão a última vez em que choveu por aqui (parece que foi ano passado; não tenho certeza, apenas convicção), não sei dizer se há pingueiras no telhado.
— Tô de casa!, insiste a voz clandestina, sob um calor de mais ou menos quarenta graus.
— Já vou. Um momento. Estou nu de cueca. Pacientai-vós!
E lá vou eu às pressas me vestir, mas sem saber onde. Infelizmente tenho péssima memória, e na forma mais grave a espacial. Dificilmente me lembro onde ponho meus poucos pertences e, se não fosse a presença física de mãe para achá-los, viveria integralmente nu e faminto. Acho que sofro de Alzheimer precoce. Nada grave, suponho. Vive-se pacificamente com Alzheimer precoce. Pena não poder dizer o mesmo sob uma taxa de desemprego de mais de 12% ao ano e inflação de dois dígitos. Isso acaba com a saúde física e psíquica restante em um sujeito.
— TÔ DE CASA!, esbraveja a voz oculta.
A essa altura, percebo que é preciso urgente e inadiavelmente atender a visita. Não há tempo de escolher com que roupa, pentear os cabelos, vestir os óculos... É preciso urgente e inadiavelmente atender a visita, que frita sob um calor de mais ou menos quarenta graus e em pleno domingo.
— Olá!
— Olá!, me recepciona a voz feminina.
— Pois não!
— Estou procurando casa para alugar... Você sabe onde posso encontrar uma?
Por essa eu não esperava. É a primeira vez que me chamam à porta para me perguntar se eu sei onde há casa para alugar. A jovem de voz cândida e quando necessário estridente me faz essa pergunta inédita e muito interessante, para a qual eu não tenho resposta imediata nem tardia. A moça fica tremendamente decepcionada e candidamente se despede:
— Obrigado, moço. Olha, não é por nada não, mas sua camisa está pelo avesso.
E então a voz cândida e estridente quando necessário dobra a esquina, levada por calor de mais ou menos quarenta graus e em pleno domingo.