Pateo do Collegio
Pediram-me para que eu escrevesse sobre Borba Gato, o bandeirante; e eu, que sou prestativo e tenho boa vontade, pus-me logo a pensar numa cena, num ato, num acontecimento que pudesse representar a realidade histórica na qual vivera o ilustre paulista. Mas assim a coisa tomaria os rumos de um pequeno conto, não de uma crônica, meu objetivo. Então, valendo-me da liberdade que a Literatura dá, concentrei-me somente num ponto -- aquele que julguei o mais importante -- e sobre ele escreverei.
Contraste. Houve a realidade histórica das Bandeiras, daquelas expedições que, da São Paulo dos Campos de Piratininga e das vilas vizinhas, seguiam a favor da estranha correnteza do rio Tietê, de Leste para Oeste, e adentravam no desconhecido. Estas expedições passaram a acontecer a partir, principalmente, da segunda metade do século XVII. Borba Gato nasceu precisamente no início desta era de expansão.
Desde tenra idade, antes de aprender a ler, eu me deleitava em contemplar as gravuras daquelas imensas enciclopédias Conhecer, da Abril Cultural. Recordo-me de que os mapas antigos atraíam a minha atenção de modo especial. Eu via a velha Europa, desde o seu extremo Leste, com a gigante Rússia como guardiã, até o Oeste, onde Portugal encontrava o Atlântico.
É curioso. Quando observamos a geografia da Ibéria e da América do Sul à luz da História, notamos alguns pontos, algumas conjunturas inusitadas: na Península Ibérica, tem-se o domínio espanhol a Leste e o português a Oeste. No entanto, os territórios destas duas potencias latinas na América seguem um modelo geograficamente invertido. Na América do Sul, Portugal tem o domínio da porção Leste do continente, enquanto a Espanha detém a porção Oeste.
E qual é a relação deste fato com o bandeirante Borba Gato? As Bandeiras portuguesas que partiam do atual território do Estado de São Paulo seguiam para o Oeste, adentravam o território espanhol, alargavam as fronteiras do território luso que, na Europa, era diminuto. Os nativos da língua portuguesa fizeram aqui o que não puderam fazer no velho mundo.
O colégio dos jesuítas, no centro histórico da capital, não é o original. Trata-se de uma homenagem arquitetônica ao primeiro esforço catequético da Companhia de Jesus. Eu descobri que há uma forma eficiente para se respirar melhor quando se está sob a fuligem de um centro urbano: basta que o sujeito olhe para cima. Os tons de azul e branco do céu diurno trazem às nossas retinas tão fatigadas um salutar alívio; é como se ao olhar para o céu víssemos a Eternidade em todo o seu esplendor a sobrepujar o tempo, representado pelas construções dos mais diversos períodos no centro velho da cidade.
A expansão das fronteiras não é um empreendimento para gente fraca. Objetivamente, é trabalho que exige prudência e todas as virtudes que vêm a reboque. Há um contraste entre a realidade daqueles esforços e a narrativa consagrada sobre eles. Sinto, não sem tristeza, que não demorará até que sejamos testemunhas das novas fases da mudança: não só as estátuas dos heróis do passado arderão em chamas, mas as referências nominais, arquitetônicas, morais, religiosas, filosóficas... todas as referências ao histórico estabelecimento da civilização cá em Pindorama serão alvo de um descabido e mortal ódio. Vê-se que a força contrária à civilização é obra do "Adversário, o qual se eleva sobre todo aquele que se chama Deus". Eu vi uma cruz numa Bandeira.