A mulher do fim do mundo
“Deus morreu”, foi o que Maria Ribeiro escreveu quando João Gilberto morreu. “Deus morreu”, foi o que pensei quando Elza morreu. Elza é Deus, porque Deus é mulher, Deus é uma mulher preta, Deus só vai voltar no fim do mundo, e Elza é a mulher do fim do mundo.
Nós perdemos Elza e eu não sei o que isso significa, não sei como conceber a história de um país sem a mulher que atravessou suas últimas 9 eras. Elza era forte, era resiliência, era ressignificar. Falar da vida de Elza é falar de dor: perdeu pai, perdeu marido, perdeu filhos, perdeu amores. Enquanto Elza perdia, o mundo ganhava, porque sua dor virou música, arte, empoderamento e mais amor.
Há 2 anos, enquanto o instagram se enchia de quadrados pretos, Elza foi enfática: “toda forma de protesto é válida, mas eu vou mostrar os meus pretos”. E ela mostrou seus pretos ao mundo; muito antes daquele post ela já mostrava seus pretos. Elza mostrou pretos de sucesso, mas também falou das dores desses mesmos pretos; Elza verbalizou, em um país que nega sua raiz racista, que a carne mais barata do mercado, que vai pra debaixo do saco e pra o subemprego, ainda é a carne negra, mas que é nosso dever lutar bravamente por respeito. Que é nosso dever, brigar, brigar, brigar!
A partida de Elza não é precoce, ela viveu mais do que a média da população brasileira e do que a média para mulheres negras, e talvez por isso haja uma dor tão grande em mim enquanto escrevo. Jamais pensei na morte de Elza, mesmo sabendo de sua idade avançada, porque Elza é luz, é alegria, é força, é coragem. Elza fez e foi em uma época em que reprimir e esconder eram as palavras de ordem. Elza empoderou quando essa palavra sequer era usada para minorias. Elza criou quando, para nós, pretos, nos era oferecido somente aceitar sem questionar.
Elza amou e foi amada, foi admirada e odiada, criou e foi criada, se criou, se refez, se destruiu, se questionou, foi questionada e fez questionar. Elza colocou sua marca na cultura e na história de um povo.
Na última hora eu chorei ouvindo Mulher do Fim do Mundo, e estou chorando de novo. Disse a mim mesmo que amanhã irei celebrar e rir a força de uma mulher preta. Mas hoje eu preciso chorar e sentir a dor de uma perda que eu não sei dimensionar o tamanho. Hoje eu vou chorar ouvindo os últimos versos da mulher do fim do mundo, hoje eu vou chorar ouvindo Elza dizer que iria cantar até o fim. Hoje eu vou chorar lembrando que Elza nunca teve um filme sobre sua estóica vida, mas que ela teve um DESFILE DE CARNAVAL inteiro para contar a trajetória da menina de Vila Matilde. Hoje eu vou chorar sabendo que Elza teve o povo. Hoje eu realmente preciso chorar. Amanhã eu vou estar melhor, mas hoje realmente não vai dar, porque a mulher do fim do mundo me quebrou, porque Elza se foi.
Elza disse que iria cantar até o fim, então, por favor, Elza, cante!
Cante, Elza, a gente tá aqui aplaudindo.
Cante, Elza, você é eterna.
Cante, Elza, o Brasil tá chorando, mas é de amor.
Cante, Elza, você encantou.
Cante, Elza, você é amor
Cante, Elza, cante até o fim.
Cante, Elza.