A diferença existe

 

     1. Há uma sutil diferença entre o memorialista e o biógrafo, creio eu. O memorialista escreve suas memórias. O biógrafo escreve a vida dos outros. Isso não impede que ambos, o memorialista e o biógrafo, façam a mesma coisa. Mas que há uma sutil diferença entre os dois, no meu modo de ver, existe. Disse uma enorme bobagem? Não sei. Se disse, perdão.

     2. Papiando com amigos sobre memórias e biografias, fui rudemente criticado por sustentar essa diferença. O mínimo que meus severos críticos fizeram foi me mandar de volta aos dicionários. Queria dizer que aceito críticas, venham elas de onde vierem. Mas, neste caso, repudiando-as, continuarei crendo na diferença, que, para mim, existe.

     3. Para Houaiss, a Biografia é o "relato da vida de alguém", tarefa do biógrafo.      Embora exista a autobiografia. Nas Memórias, o próprio faz o relato de sua vida.      Queria ser entendido, admitindo, porém, discordâncias, o que é muito bom. Concluindo: nas Biografias dizem de mim e por mim o que sou, o que fui e o que fiz.  Nas Memórias, eu mesmo digo o que fui e o que sou. Nas Biografias, fica uma sensação de finitude; as Mamórias, geram a expectativa de continuidade.  

     4. Gostaria de escrever minhas memórias. Já disse isso em outras crônicas. Em pleno ocaso, minha cabeça ainda me permite rabiscá-las.  Elas não merecem ser soterradas pela poeira dos tempos. Tenho muito o que contar. Muita coisa guardo nos cadernos  soltos nas estantes do meu gabinete. Garanto pela veracidade do que neles o amigo leitor encontrará.

     5. Faço essa advertência porque, nas memórias, as mentiras podem ser ditas, voluntária ou involuntariamente. Escrevendo suas memórias, houve gente que, ao final, pediu sua beatificação; os mais ousados, sua canonização. Há quem abomina escrever suas memórias, a bela escritora Rachel de Queiroz, por exemplo. 

     6. Vejam o que a autora de "O quinze" diz sobre "escrever memórias", no livro "Tantos anos", escrito em parceria com Maria Luíza de Queiroz, sua irmã.  Excelente!

     - " - As memórias! Você sabe que não gosto de memórias. Nunca pretendi escrever memórias nenhuma. É um gênero literário - e será literário mesmo? - onde o autor se coloca abertamente como personagem principal e, quer esteja falando bem de si, quer confessando maldades, está em verdade dando largas às pretensões do seu ego - grande figura humana ou grande vilão".

     7. E finaliza. "Mas, grande de qualquer modo. O ponto mais discutível em memórias são as confissões, gênero que sempre abominei, pois, há coisas na vida de cada um que não se contam. Eu, por exemplo, "nem às paredes do quarto confesso", como diria o fado". 

     8. Não estou, neste particular, cem por cento, ao lado de minha conterânea, a romancista alencarina Rachel de Queiroz. Há vidas, modelares, que devem ser contadas em um livro de memórias, sem tirar nem pôr. Adoro ler memórias  (e biografias, também); por mais insignificante que seja o seu autor. Todas merecem respeito. Uma pergunta, fechando a crônica: Há ou não uma sutil diferença entre o memorialista e o biógrafo? Fica a provocação.

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 21/01/2022
Reeditado em 22/01/2022
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