LUTAS E PERDAS

Nesses dias de incerteza, o que mais me choca é a perda da qualidade de vida que nos vai sendo imposta, impiedosamente.

Luta-se e perde-se no emprego - com salários aviltados e, ainda por cima, pagos com atraso e/ou parceladamente.

Luta-se e perde-se para continuar a desfrutar do lazer - cada vez mais circunscrito a horários e atividades domésticas, já não nos sendo permitido pensar em papos prolongados com amigos em lugares públicos, principalmente à noite.

Luta-se e perde-se na educação de filhos e parentes, nivelados por baixo, em nome do atendimento a “todos”. Chegamos à situação cínica de aplaudir tudo quanto seja “proposta” capaz de empurrar todo mundo, com conhecimento ou não, rumo ao diploma de educação superior e, posteriormente, ao Nirvana Acadêmico, que em nossa terra atende pelo pomposo nome de Pós-graduação.

Luta-se e perde-se na hora de morrer. Paga-se para ser enterrado ou para virar cinza. Que civilização cristã é essa que cobra para ver atendida uma das máximas de sua religião, quando diz: “Vieste do pó e ao pó voltarás”?

Luta-se e perde-se em defesa dos idosos (terceira idade? melhor idade? sêniors? coroas? velhos?). Como são torturados pelas autoridades! Onde estão os ônibus com degraus mais baixos para atendê-los, assim como aos deficientes? Idoso não quer compaixão. Quer respeito e consideração. Quem não se lembra do espetáculo dantesco dos anciãos com mais de 90 a-nos tendo de entrar em filas para recadastramento? Por onde anda o Berzoini?

Luta-se e perde-se para que simples siglas sejam realmente adequadas aos nomes das instituições que representam. Por que MEC, para fazer referência ao nosso Ministério da Educação? O que, atualmente, significa MEC? Ministério da Educação e Cultura, certo? Errado! Existe um Ministério da Cultura, logo... Se, como defendem alguns, a sigla MEC foi mantida por tradição, eu prefiro MIPCT, que é muito mais original: Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, criado pelo primeiro governo republicano e entregue ao nosso eminente Benjamim Constant Botelho de Magalhães. Quem sabe ele já pensava em cursos por correspondência?

Luta-se e perde-se tempo tentando pôr bom-senso em cabeças de políticos, altas autoridades jurídicas e eclesiásticas sobre problemas de educação, mas elas somente atendem a seus eleitores, pares e fiéis. Em se tratando do interesse do país sempre afirmam que tudo fazem em nome da Democracia (êta palavrinha mais enxovalhada...) ou de Deus. Afinal, estamos afinados com os donos do mundo: eleições no Iraque, no Afeganistão, no Haiti, como se eleições fossem sinônimo de democracia.

Luta-se e perde-se - ao tentar apresentar valores de uma sociedade que pautava sua ação em princípios que hoje nem são mais conhecidos. Estamos em plena era do “quequitém?”. Alguém se enche de droga e vai parar no pronto socorro? “Quequitém? Todo mundo, na vida faz suas bobagens, desde que o mundo é mundo. O drogado tem direito (olha os novos valores em cena!) de encher as veias de heroína. O governo tem obrigação de tratar dele.” Com o meu, com o seu, com o

nosso dinherinho. O jovem tem o “direito” de se drogar? Se tem, que a família dele pague seu tratamento em hospital

particular ou através de Plano de Saúde, porque usar a instituição pública é ocupar uma equipe (pelo menos um médico e uma enfermeira), enquanto pessoas que pagam seus impostos e até aquelas que não têm dinheiro para isso ficam esperando que o viciado seja “medicado”. E se for o caso de internação, é uma aberração destinar recursos públicos para tratamento de quem se volta para o vício e não está nem aí para o que vai acontecer depois. Quem faz, tem de assumir as consequências de suas atitudes.

Luta-se e perde-se para manter um mínimo de sossego numa pequenina faixa de areia em dia de sol, numa praia. O comércio, regularizado ou não, chega mais cedo e pouco sobra de espaço livre para um guarda-sol e uma cadeira.

Luta-se e perde-se para se ter fé nos próximos políticos que elegeremos, mesmo sem neles confiar, na certeza de que assim procedendo, um dia seremos recompensados com um Congresso voltado na defesa dos interesses do país e não dos de seus comparsas.

A relação de lutas e perdas não se esgota nesses pequenos exemplos. É preciso continuar batalhando para que nossos direitos e deveres sejam reconhecidos e separados dos falsos padrões de moralidade.

Ruy Soares
Enviado por Ruy Soares em 20/01/2022
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