O HOMEM QUE DESEJAVA SE CASAR, PORÉM (...)

 

INTRÓITO:

Ricardo era um rapaz latino americano bem diferente do personagem do Belchior que – na letra da sua canção – vivia “Sem dinheiro no banco / Sem parentes importantes. / E vindo do interior.”

 

O Ricardo tinha muito dinheiro nos bancos, tinha parentes importantes e era oriundo da capital – não era do interior! Mas, o seu pensamento era retrógado em relação ao gênero feminino. Antiquado que só – mas querendo se casar – dizia para os seus amigos:

-Só me casarei com uma mulher que seja virgem! Essas mulheres de hoje, são todas “esquenta a cama” – transam com qualquer um! Comigo não! Em se tratando de casamento, tem que ser com uma moça virgem – zero bala! – dizia entre os risos da própria idiotice!

Também, entre risos, os amigos respondiam:

-Isso, de cabaço, já era meu! Vai morrer solteirão, viu?

 

Ricardo não dava à mínima. Retrógrado que só, permanecia no seu pensamento de “machista latino americano juramentado (Ou seria de jumento juramentado?) de só se casar com moça que fosse virgem”. Então, quando se enamorava por uma garota, logo dava a entender as suas intenções de – tão somente, diga-se – se casar com uma moça que fosse uma ‘Virgíssima’ da Silva. Quando o namoro começava a se engrenar, ele, enfático, perguntava:

-Meu amor... é ... hum ... digamos ... você é virgem?

-Não! Não sou virgem! – era a resposta recebida “na lata” e sem mais nem menos!

 

Desfeito o namoro, lá vai o Ricardo na sua peregrinação em busca de um cabaço – coisa rara, raríssima à época e até nos dias atuais – para contrair o sonhado matrimônio.

 

Doutra feita, ele se encantou por uma jovem – cobiçadíssima pela galera – e iniciou o namoro. Tudo ia bem (Os amigos na espreita para ver onde aquele namoro iria dar.), nos trinques – como antanho diziam – até que veio o fatídico papo:

-Meu amor, eu quero me casar com você, mas quero saber se é virgem mesmo! Você é?

-Virgem? Eu? Sai fora, meu! Eu nem sei o que é isso! – respondera entre risos a cobiçadíssima candidata ao casório! -Cai fora, seu Zé Mané! – dissera!

 

parte I:

Decepcionado, Ricardo resolve viajar para o interior – local de onde viera o personagem do Belchior – para, então, tentar encontrar uma moça virgem, para contrair o sonhado matrimônio. Bagagem no carro – despedida dos amigos e familiares – ele parte, célere, buscando uma agulha no palheiro.

 

Depois de muito andar pelos quase desertos campos, ele para o veículo à margem da estrada de terra, para apreciar a paisagem. Ao longe da margem, vê uma casinha de onde sai uma jovem que, apesar da distância, lhe parece ser bonita. Enceta o carro por uma variante que levava até a casinha. Em lá chegando, ele é recebido por um senhor que o convida para entrar e tomar um cafezinho com pãozinho de queijo (Coisa de mineiro.) e bater um papinho. Convite feito, convite aceito e ele adentra a casinha que, mesmo sendo paupérrima, era bem cuidada e limpa.

 

Agora, e já assentado na sala, ele vê de perto a moça que lhe parecera ser bonita à distância. Os seus olhos quase saem pelas órbitas oculares. Ela, a moça, era lindíssima – um encanto de mulher! Os olhos cor de mel e a tez morena rivalizavam com os de Iracema. Os pelos doirados que cobriam a morena pele se esvoaçavam ao sabor dos ventos. Parecia um trigal pronto para a colheita. Um vestido de chita se incumbia de cobrir-lhe o corpo, mas não cobria as formas esculturais nele contidas. A chita descerrava como uma cortina que tampava o palco, antes do espetáculo começar. O delineamento do corpo, todavia, se amoldava à chita mostrando a forma de um violoncelo, no qual Ricardo já sonhava tocar executando uma melodia ao amor, ofertando ao deus Eros aquela linda Afrodite – a moça do vestido de chita!

 

E era a linda deusa Afrodite que, ali, estava a servir-lhe o cafezinho com pãozinho de queijo oferecido pelo seu pai!

-Esta é a minha filha Angélica! Moça muito prendada! – dissera o pai!

-Prazer em conhecer o senhor! – dissera a filha Angélica!

 

Encantado pela donzela, Ricardo sentiu todo o seu corpo se arrepiar ao tocar a mão que lhe era dada pela jovem Angélica. Interessado, logo procurou fazer amizade com o pai, se inteirando sobre a propriedade buscando saber quem era o dono!

-É do senhor Felisberto. E ele está interessado em vender tudo isso aqui!

 

parte II:

Ricardo volta à cidade! Pela sua cabeça machista o pensamento fluía em meio à alegria reinante. –Encontrei a moça ideal! Com esta eu me casarei. Ela é linda e, com certeza – por morar em um buraco como aquele – é “virgíssima”!

 

Assim pensando, e não querendo perder a oportunidade, buscou o dono das terras nas quais habitava o caseiro e pai da donzela com o fito de comprar o imóvel. Comprou-o!

 

Antes – deve-se dizer – ele mantinha constantes visitas ao casebre onde já havia pedido a mão da donzela em casamento, cujo namoro estava “de vento em polpa”. Em uma destas visitas, ele anuncia ao futuro sogro que havia comprado a fazenda e queria, já, marcar a data para o casamento.

 

Eufórico e entre risos, o velho recebeu a proposta. Pai e filha se abraçam e espalham a notícia pelos arredores. Angélica – a pobre moça que encantou o forasteiro – não cabia em si, tamanha era a felicidade sentida. As moças casadoiras invejavam a sorte da Angélica. Os pobres rapazes da região lamentavam perder tão linda donzela para o forasteiro da cidade grande. E o forasteiro era, para eles, um Dom Quixote de La Cidade Grande que viera para  roubar-lhes a Angélica – a Dulcineia do Cavaleiro Errante. A decepção fazia as ventas dos rapazes se moverem mais rápidas que as hélices dos moinhos de vento. Todavia, e sem nada poderem fazer, lamentavam o leite derramado!

 

epílogo:

 

Passa o tempo. A data do casório se aproxima. Ricardo lutava com os seus egocêntricos pensamentos: - Pergunto, ou não, se a Angélica é virgem? Resoluto, não perguntou. Deve ser – pensou com os seus botões! Morando em um lugar desprovido de tudo, como aquele onde vive, só pode ser virgem!

 

A data é chegada, o casamento realizado, a esperada noite de núpcias está quase que no ápice, do famoso “rala e rola”. Mas a danada da pergunta teima em cutucar a sua mente. Ele não se contém. Então, resoluto pergunta:

-Angélica, meu amor, eu sou o primeiro homem que vai dormir com você?

Angélica – que nada tinha de angelical – olha-o e diz na maior cara de pau:

-O quê? Hum!... Olha meu, se você dormir, vai ser o primeiro, sim! Os outros eu nunca deixei que dormissem!

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Permitam-me apensar ao texto um pensamento do meu inesquecível Avô Benício Barbosa Santiago: “Quem muito apura na borra fica.”

                                                                              

O Ricardo, coitado, tanto apurou que na borra ficou!

Imagem: Google

Altamiro Fernandes da Cruz
Enviado por Altamiro Fernandes da Cruz em 18/01/2022
Código do texto: T7432193
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