CHORANDO AS PITANGAS
CHORANDO AS PITANGAS
Tenho andado triste. Até aí, nada demais, já que muita gente triste tem andado por aí. Tenho andado triste de um jeito que até a mim espanta, eu que não fujo da tristeza. Se a percebo rondando, chamo para mais perto, ofereço um café ou uma taça de vinho e conversamos até que eu saiba se devo encontrar um lugar para ela ou apenas acolher, ouvir e dispensá-la porque é uma visita passageira. Esta, parece ter chegado para uma longa temporada, daquelas que nos obrigam a abrir espaço nos armários, colocar um prato a mais na mesa. Prometi um risoto para meu filho. Cozinho pouco e me recuso a fazê-lo por obrigação, mas se as panelas me chamam, mesmo que seja para uma omelete rápida, mergulho inteira no processo, desde retirar os ovos da geladeira para estejam em temperatura ambiente, separar as vasilhas e o fuet, combinar temperinhos coloridos e aquecer o pão na frigideira depois. Gosto disso. Mas prometi um risoto já faz um tempo e hoje decidi fazer. Pela manhã tomei café e conversei com minha mãe. Tudo e nada. Falei da minha irritação e mau humor, de como prefiro ficar quieta porque ninguém é obrigado a aguentar nada. Saímos para ir à quitanda. Eu saí, ela sempre me acompanha até a porta mesmo que eu vá voltar dez minutos depois. Diz que é para tomar um ar. Até isso a pandemia roubou de nós, o ar. Para muitos, roubou tanto que deixaram esperando no portão um sem-número de queridos. Enquanto olhava a caixa do correio reparei na nossa pitangueira. Por causa das chuvas que ainda são poucas, pareceu maior do que a última vez em que olhei demoradamente para ela, mais verdinha, mais cheia de movimento. Perdida no meio da folhagem, uma pitanga, ainda nova, esperando amadurecer. E depois outra e outras ainda mais. São as primeiras desde que a plantamos no lugar da velha sibipiruna que morreu. Tirei fotos, me despedi de minha mãe e desci a rua em direção à quitanda. Enquanto me nasciam esses pensamentos, voltei a chorar como há muito não consigo, o tampão das obrigações escapou e me dei conta de que em silêncio, quer a gente queira ou não, o mundo gira e a vida segue. A pitangueira cresceu e eu quase não vejo as pitangas bebês. Voltei a escrever e o faço, não por obrigação, nem para comover ninguém. Escrevo para me sentir viva, mesmo que seja chorando as pitangas.
Sorocaba, 17 de outubro de 2021.