Minha terra, minha gente ( casamentos , histórias e um conto...).

São histórias da minha terra, de moçamedenses “cabeças de peixe", que me enchem a alma!

Como nós, naquele pedacinho de chão à beira mar, Moçâmedes, Angola, apesar de precisamente ao lado de um imenso deserto , o mais velhinho do mundo e de um oásis cheio de vida frutas e flores assim mesmo cidade ainda que tão pequenina, mas ainda com tudo tão presente em nossas mentes...

Um coração grande de Mãe, imenso, onde cabiam só coisas boas!- assim se explica.

Além de contos, narrativas, lendas e histórias, há tanto a relembrar de quem nos era próximo e querido naqueles tempos mais antigos.

Tempos diferentes: difíceis por um lado, mas encantadores por outro; exemplos de vidas como nunca mais veremos. As dificuldades iam-se se superando e muitas vezes até tirando “partido” delas.

Quem não se lembra dos inúmeros casamentos por procuração que se realizavam até mesmo quase década de 70, quando então começávamos a sentir outras realidades e a perceber novos conceitos sociais?! Não haveriam tantas justificativas para um noivo ”faltar” ao casamento mas acredito que , impedimentos naturais de viagens, fossem elas terrestres, aéreas ou por mar, tivesse sua principal causa. O mundo não era como o de hoje o que nos permite entrar on-line num site e em segundos escolher ,e comprar ,uma passagem entre inúmeras tentadoras e competitivas propostas.

E assim aconteceu mais um casamento por procuração, o da minha amiga Marília, a amiguinha que me viu nascer no dia em que quase um lacrau me subia ao berço... A amiga que logo me quis como sua boneca preferida e que eu reencontrei ao fim de 60 anos.

Normalmente, e pela falta do noivo , evitavam-se grande festas.Apenas os mais íntimos recebiam um convite, ou melhor, um aviso que haveria um casamento prestes a realizar-se.

Marília estava em Moçâmedes portanto, e o noivo já trabalhando em Moçambique.

Marilia evitava falar nesse dia muito menos da hora da cerimônia na Igreja de Santo Adrião , pois tinha receio que aparecesse mais gente do que estaria programado . Sim, a cidade toda se conhecia e haveria essa possibilidade.

Tradicionais presentes de noiva? ...ah, ela nem pensava nisso. Mas, claro que há sempre situações das quais não se podem fugir , tal como um bom almoço servido com o requinte de bom champagne e a gentileza dos amigos que faziam questão de presentear naquela data. Marilia tinha alguma dificuldade para comer, quanto mais pensar em ementas para almoço, mas, como boa cabeça -de -peixe que era, iluminou-se de repente.

Um amigo de Porto Alexandre /Tombwa, Sr Alves, perguntou-lhe :

- “Oh Marilinha , sem festa sim , mas não sem presente! O que queres que eu de dê?”

- Oh , Sr Alves, não me pergunte duas vezes : quero ostras e amêijoas”

Feito ! O presente mais fácil a dar para quem vivesse naquela costa linda e rica. Ou vindos da farta Tombwa, ou então os chegados à nossa marginal mais precisamente ao antigo e muito charmoso Mercado de Peixe ali mesmo na falésia da Fortaleza ao lado da Capitania. Ah, aqueles bichinhos todos ainda a sair vivos das cestas dos pescadores logo ali ,ali à chegada das “chatas”!...

E assim foi: o amigo Sr Alves mandou entregar na casa da Marilia um saco daqueles de 50 Kg cheios daquele “pecado” de delícias.Sim, nada mesmo que 50 Kgs.

“Que amigo tão querido” – não se cansava ela de dizer .

Começa o almoço ,e com tanta fartura ninguém mais podia evitar ter um copito por perto, naquele específico caso, as taças de champagne.. Foram muitos os tchim- tchins e sem que a noiva pudesse recusar, claro.

-“Quem me segura?!” Como o meu noivo me faz falta agora- pensava ela

A certa altura começou a ficar tonta e vai pedir socorro a uma amigo:

-“Oh Nono, socorro! Leva-me a algum lugar para tomar um café bem forte pois fui perseguida por garrafas de champagne até agora e não dou mais conta das pernas.

Lá foram os dois ladeira abaixo ( que nem carro pegaram para não chamar a atenção de ninguém), até ao único café daquela época na cidade um, da Avenida do Bonfim.

Café tomado, meio arrastada até casa mas... chegaram bem.

-“Única recomendação querida amiga- disse o Nono- “podes voltar às ostra e ameijoas do Sr Tales, mas vais ficar bem longe da qualquer coisa que seja parecida com uma garrafa.

Tens de chegar inteira ao teu marido.”

-Combinado- respondeu ela com a devida sensatez.

Finalmente embarque para Luanda onde faria escala para Moçâmbique. As coisas não correram tão bem como o previsto pois os horários de vôos tinham sido alterados mas como Angola era bem “pequena” naquela época, logo encontrou um casal amigos da terra, a Isabel Champollion com o marido e filhinha. Foi uma alegria , aquele encontro

. -“a noiva aqui?”- disseram eles.

-Que alegria, ainda bem que os vejo. Imaginem que até aqui na alfândega não me dão sossego.

Acabei de falar com um senhor( contava a Marília em voz bem alta) , ao que ele me perguntou:

-“Conhece Luanda? Conhece à noite? É muito, muito bonito. Queres conhecer comigo ?”

-“ ó Zé, tás a ver este homem aqui a meter-se comigo a querer-me convidar pra sair à noite e eu que acabei de casar? Isto depois de quase impedirem que a minha caixinha de bolos para o meu noivo possa seguir viagem. O que mais me falta!!!” O champagne para aliviar tanta pressão!- pensava ela.

Foi uma risada geral por aquela imensa sala pois ela estava literalmente divertida a contar todas as divertidas aventuras na Alfândega de Luanda.

Finalmente entra no avião onde passou uma noite inteirinha sem dormir pois sentou-se ao lado de um poeta moçambicano que não lhe perdoou as piadas ao saber que ali estava uma menina ainda noiva( rsrsr) . Olheiras nos olhos, rosto cansado, roupa amassada, e finalmente desembarca a Marília em Lourenço Marques. Vê o marido com a camisa mais velha e mais feia que tinha, e com um pullover( suéter), jogado nas costas feito por ela mesma Marília, há muito , muito tempo atrás. Coisas de um homem ainda sem os cuidados e carinhos da mulher com quem acabava de se casar.

E assim foi, aquela história de um casamento de procuração , sem noivo, mas regado a bom champagne Francês e sentados a uma mesa com as delicias da mariscada da nossa querida Moçâmedes .

O noivo hoje já não pode confirmar a história, mas foi pai e marido num casamento feliz com seis filhos e muitos netos graças a Deus todos bem até aos dias de hoje.

Lana

Lady Lana
Enviado por Lady Lana em 16/01/2022
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