Cartas de Salamanca - Ao poeta R. Leontino Filho
Ao poeta R. Leontino Filho
“imaginar os exílios
a saudade farta
a pátria em pedaços”
Prezado poeta, salve!
Nesse tempo todo (já se foi um ano...) distante de Mossoró, dos amigos, da família, tenho feito dessas missivas um exercício de catarse. Pura catarse. A rotina dos estudos nos absorve em grande medida, você sabe disso. Ficamos imersos em leituras técnicas, textos densos e, sendo assim, temos que procurar nossa “válvula de escape”, em leituras assistemáticas, relaxantes.
Leio, quase que diariamente, notícias da terrinha pelos “sites” dos jornais e “blogs” da vida. Quando estou lendo, invariavelmente, lembro de um trecho do “Último discurso” do gênio Charles Claplin, que louva os avanços tecnológicos, porque nos aproximam, sem, no entanto, olvidar da crítica que o mesmo Carlitos faz sobre o perigo de esses avanços nos tornarem céticos.
Bem, mas além das novidades da “ordem do dia”, com suas páginas fluidas e pueris, chega-me às mãos, de quando em vez – fruto de atenções extremadas de amigos e familiares – novidades literárias e outros “regalos” que os valham. Outro dia, por exemplo, Clauder Arcanjo, nosso amigo comum, enviou-me o livro Exercício de Silêncio, de autoria da jovem e premiada Kalliane Sibelli de Amorim. Excelente livro. Como muito bem diz você, no prefácio, o trabalho poético enseja um “exercício adequado aos ritmos, tons e metáforas regidas pelo tecido do tempo...”.
E foi justamente a partir da leitura do prefácio que resolvi escrever-lhe essas mal-traçadas (desculpe-me o lugar comum). Isso mesmo: depois da leitura comecei, em mais um “exercício de silêncio”, a lembrar-me de outros textos e poemas seus. O tratamento literário que você dá aos escritos é digno de admiração. Você talha a palavra com a precisão de um cinzel, e a elegância artística que aflora, nem descaracteriza nem adorna o trabalho com ares soberbos e rebuscados. Ao contrário, proporciona uma invulgar suavização. Uma fluidez que prende e motiva a seguir lendo com gana e destemor.
Seja na crítica literária (R. Roldan-Roldan oferece de corpo inteiro e alma tranqüila uma ampla visão das metamorfoses do seu itinerante exílio degustado com impaciência e raiva, mas, sobretudo, com selvagem lucidez...), seja na poesia (Na lâmina afiada da ventura a raça dos poetas prepara o céu, o mar a terra, sem querer, viaja no embalo do encontro: imagem da canção quando o nada na frágil cantiga do destino deixa transparecer a medida provisória de tudo), você ensina, convida, molda e puxa o leitor para a temática instigada. Nos textos, você é professor, sem sofreguidão; mestre, sem pedantismo. Predica a cátedra com um método “construtivista”, vamos assim dizer.
Como colegas de instituição, e mesmo vivendo em uma pequena comunidade, nosso “conhecimento” nunca passou de cumprimentos protocolares. Digo assim, para isentar este depoimento de qualquer motivação de amizade. O faço com extrema espontaneidade. Posso até dizer que o conheço tão-somente por suas publicações e pelas referências de amigos comuns.
Portanto, poeta, permita-me que faça da simplicidade destas palavras uma espécie de “grito de alerta” para a existência de um literato, na melhor acepção da palavra, em nosso convívio, em nossa universidade, com significativa e fecunda produção, o que, ressalte-se, é extrema importância na aridez dos dias atuais.
Creio que se existir uma movimentação de créditos e débitos entre o povo potiguar e os vizinhos cearenses, sua presença nos faz devedores em preciosa soma. Dívida assumida com prazer e estampada em uma moratória: devemos, não negamos; pagamos, mas não sei se será possível.