Chuva, violões e a madrugada...
A chuva cai mansamente nesse final de tarde.
Tarde assombrada por um crepúsculo vermelho; vermelho de sangue e dourado de aurora.
O coração da noite deixou de bater, e o dia abre suas pálpebras de claro desalento.
Não mais velejo a bordo daquele barco que deslizava calmo nas águas soturnas do sonho.
Essa chuva quieta, cúmplice do meu desmoronamento, amiga das minhas ânsias... Ela cai dentro de mim também, como um jorro de lágrimas que meus olhos me negaram. Sua voz de um sussurrar pálido e felino, de uma música estranha que desafoga sem deixar de arder. Água fria e serena que corta veredas da carne e recaem nessas veias turvas de sangue e dureza.
É como se o mundo se calasse nessa contemplação, nesse pedaço de inverno numa tarde qualquer. A solidão nos torna reféns dos momentos; nos torna presa frágil das horas que passam e do presente que persiste em sua imóvel eternidade.
Queria sair, singrar os mares com meu pensamento. Romper imensidões e correr milhas para calar esse grito dentro de mim.
Queria beijar o infinito e sentir um beijo vermelho de uma boca quente como um verão de seiva e sabores de infância.
Queria sentir a dor de amar e o ferrão ardente das primeiras paixões. Queria sentir a carne tremer, como solo assolado de tremores, e depois vir a calma de um remanso cristalino cortando a terra virgem e amiga.
Ontem era domingo. Um domingo de ruas escassas e de desertos urbanos, de tráfegos a deriva, de muito sono e cansaço.
A casa vazia, as paredes nuas e o quintal com sua singela pobreza. Eu fumava e bebia, absorto, sem esperar nada nem ninguém.
Um violão choroso na esquina, um latido medonho e solitário na vizinha e as bocas embriagadas a falarem, atônitas, a voz do esquecimento nas mesas de bar.
Mas o violão e um canto de serenata vagabunda, de boêmia noturna de noites de febre e amor apanhado na sarjeta... Esse violão chora nas madrugadas quentes. Madrugadas de hálitos , de suores e corpos gozando o esquecimento.
Mas não tarda, o dia vem, afugentando essa vida que pulsa no últero da noite, nas suas entranhas e nas fronteiras do esquecimento.
A chuva continua caindo. Mas um sol, tímido como uma nudez infantil, aponta uma réstia de dourado sobre os telhados úmidos.
Os violões estão distantes, como naus sonhadoras, atravessando ilhas de esquecimento, entre mesas, fumaças e copos...
Janielson Alves de Araújo