Pelada na Internet
O barro que a natureza criou Marcelinha havia sido queimado pelo fogo do demônio. Todo o seu fluido vital transportava sedução. O sexo para ela estava para a armada cortando o grande mar. Para ela a mulher vivia uma encruzilhada. Suas experiências amorosas eram consideradas frias, tímidas demais para agradar um homem. Suas múltiplas experiências eram avaliadas num palavrão. Deu a si própria uma ordem direta e foi andando o seu caminho, espojando seu corpo de linhas bem feitas para elogio do sol.
Com Marcelinha vieram às estradas e o progresso tecnológico. Novos amores surtiram-lhe efeitos duradouros. Sempre descobrindo variações, sexo estava na alma e cansava-lhe a monocultura, sobre todos os pontos de vista. Procurava um brinquedo inteiramente novo. Surgiu então o J. Fernandes. Fotografo amador disposto a entreter o mundo com imagens. Aliás, cada profissão traz um mandamento, retratou diversas vezes Marcelina nua em poses tão naturais quanto o aparecimento do homem sobre à terra. “O que é bonito tem que ser mostrado!” — Dizia-lhe J. Fernandes, enfático, com entusiasmo típico da profissão. — Em pouco tempo estava Marcelina pelada na Internet. Sua beleza de sonho admirável alcançava generosamente os olhos da procriação desconhecida. Olhos elaborados pelos mesmos sonhos que todos sonhamos.
Ocorre que o tempo desempenha respectivamente funções novas no destino de cada criatura. O ciclo quente dá lugar ao inverno e assim tudo muda com rapidez inexorável. Depois a fama da nudez não executou o papel desejado entre milhões de mulheres despidas nos arquivos da rede. Percebeu que era mais uma exposição sem identidade. Somente certa vez reproduziu a surpresa da fama. Havia uma fotografia explícita de Marcelinha na sapataria. Entrou para ver se provocava sensação, porém, o sapateiro não ligou, e prosseguiu examinando um sapato roto.
Tudo mudou quando conheceu o Taborda gostando imediatamente dele. Do seu vampirismo psíquico que lhe arrebatava. Sempre sóbrio, carregava uma academia na alma e uma religião nos modos. Era paranormal e divisava espíritos até na lanterna do porão. Ela agora era ex-mulher de hábitos livres que procurava na fidelidade uma borracha no passado liricamente explícito. Ao se entregar para Taborda mudou completamente. Assim porque conheceu o amor se amaram e casaram.
Por longos anos colocou a foto nua da internet no seu inconsciente. Espécie de caixinha sobressalente da consciência onde o esquecimento lava o passado das experiências primeiras e pouco convencionais. Convenceu Taborda da mudança para São Paulo. Deviam trocar de região. Mentiu dizendo-lhe que havia sonhado com um curandeiro que lhe revelou tudo sobre a passagem de Duque de Caxias para à terra da garoa. Descreveu o sonho com clareza.
Taborda ficou impressionado com a miragem. Para o curandeiro cada região concorria a um novo tipo de peso do espectro. As almas pesam diferentes, revelou Marcelinha, com firmidão feminina.
Na verdade, estava fugindo de um lugar esquisito e moderno. Mesmo que fosse morar debaixo de uma cascata alguém poderia estar conectado e então Taborda descobriria as fotos nuas. Seria o apocalipse nupcial e o mesmo que plantar uma calamidade no lar equilibrado! Mesmo reformada em sua conduta dividia a sociedade entre aqueles que consideram todo o amor normal, e outros que preferem apagar qualquer vestígio da existência física despencando-o para um triste abismo moral.
Taborda na internet deixava-lhe tensa na cozinha. Quase sofreu um ataque de nervos quando ele gritou: “venha ver isto!”. O coração explodindo pela boca. Medo até de pensar quando se arrastou até a sala. Por sorte no visor havia apenas alguns brasões solenes.
Culpava o fotógrafo J. Fernandes, trânsfuga ao limpar as lágrimas de cebola, desabafando: “tudo é variável no tempo e no espaço”. O marido em silêncio compreendeu a inquietação da mulher porque desde o começo reconhecia as fotos. Não reagiria como mentecapto diante de tanta beleza. Preferiu apenas a discrição na rotina, imerso num segredo que só revelaria na velhice.