Minha terra , minha gente ( animais sem água?)

Durante um bom tempo andei intrigada com alguns animais do nosso deserto, deserto do Namibe ao sul de Angola, especificamente aqueles de porte médio e maior como os guelengues, pois os víamos e correr grandes distâncias sem possibilidade de pisar um laguinho que fosse, o que dizer de sombra ou um riacho por perto...Onde , e quando paravam eles para beber?

Foi interessante um diálogo tido com um conterrâneo há tempos atrás. Dizia ele:

-“ guelengues não bebem água!

- Como assim? Guelengues não bebem água ? perguntei-lhe eu . Não sabia mesmo.

-Mas como eles se hidratam ?Armazenam como os camelos ?- foi a minha pergunta seguinte.

Sabia que camelos poderiam percorrer grandes distâncias naquele deserto a exemplo de alguns que lá viveram em tempos primórdios, o dos nossos primeiros colonos, e que foram lá vistos ainda por várias décadas. Mas ...

Os nossos guelengues são típicos guelengues-do-deserto , chamados antílopes do deserto /orix mas não podem ficar sem algum tipo de hidratação e, assim sendo, bebem do "orvalho", pela madrugada, nas folhas secas ou verdes do capim - respondeu-me ele.

Crescemos com alguns pequenos mistérios resolvidos e explicados a tempo pelos nossos homens do deserto( nossos pais e amigos), mas nem tudo foi esclarecido. Éramos , os da minha geração, muito novos quando deixamos aquele chão e muitas coisas ficaram por saber. Outras, a própria curiosidade de criança fazia-nos revirar os “7 céus” e lá íamos descobrirmos.

Um exemplo: um escorpião( lacrau, nome nativo), naquele deserto passa meses sem beber água. À noite, tentam esconder-se debaixo de pedras que são locais mais frescos e úmidos. De certa maneira se hidratam até á próxima parada para beber . E por falar em escorpião nós garotada daquele tempo, aprendemos que se por acaso fôssemos mordidos deveríamos colocar imediatamente por cima uma colher de petróleo e depois tomar outra bem servida. (rsrsrsr)

Outra coisa interessante que sabíamos do lacrau: é um bicho terrivel.Se se puser 1 combustível à sua volta e pegar fogo, ele suicida-se com o próprio veneno para não ser cremado.

Os cágados, por exemplo, têm características que lhes permitem viver naquele deserto. Ele cava, cava e cava até encontrar lugares mais úmidos , por vezes 35ºC menos que à superfície.Chega a passar 95% de sua vida dentro de tocas. Avesso ao frio, entra numa espécie de hibernação durante o inverno, quando todos os seus mecanismos fisiológicos funcionam lentamente, economizando o máximo de energia e portanto sem necessidade de beber.

E os gafanhotos de cor mais parda, típicos do deserto? Sim , tinham características diferentes , principalmente na alimentação, e por isso se hidratavam e de adaptavam às condições de clima árido.

Mas o caso mais interessante que lá soubemos na nossa terra, foi uma história nas terras da Baía dos Tigres . Uma península isolada no Distrito de Moçâmedes, que depois se transformou em ilha nos idos anos 40 do século passado,sem nada produzir nem plantar nas suas areias secas. Não havia água em nenhum lugar.

Sabe-se que no inicio do século XX teria acontecido um surto de raiva em Mocâmedes, e que o governador da época teria dado ordem para se executar todos os cães da cidade.Muitos donos rebelaram-se contra aquela situação e não querendo perder seus animais de estimação resolveram metê-los num navio na calada da noite e levá-los para um local longínquo onde não pudessem ser encontrados. Assim, rumaram até à Baía dos Tigres que consideraram ser o melhor lugar para deixá-los. Ali já existia uma raça selvagem de cães deixados pelos Holandeses, os boers, quando da ocupação da África do Sul e com a chegada dos cães da minha cidade resultou o cruzamento que levou à raça “ Tigres”. Imperava a lei da selva onde só os mais fortes sobreviviam ; tornaram-se uma raça diferente . Eram selvagens, naturalmente ferozes .Adaptaram-se ao meio, sobreviviam. Excelentes nadadores pois criaram o hábito de nadar para encontrar alimento no mar e embora não bebessem água salgada era na crista das ondas do mar que encontravam gotículas adocicadas para matarem a sede.De menor densidade, as gotículas de água doce ou seja, o orvalho da noite( o nosso cacimbo) depositadas em noites sem vento na crista das ondas, permaneciam por algum tempo sem se misturar com a água do mar.Era portanto, logo pela manhã bem cedo que os cães se jogavam ao mar para matarem a sede.Um reloginho....

Acredito que ,em noites de vento esse orvalho não se depositasse e eles quebrassem esse ritual. Assim esta raça sobreviveu e adaptou-se às condições agrestes daquele canto no fim do mundo.

O homem ,e nenhum ser vivo vence a natureza mas pode adaptar-se a ela.

Saudades da minha infância...

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Lana

Lady Lana
Enviado por Lady Lana em 12/01/2022
Reeditado em 13/01/2022
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