Chuva choveu
A chuva deu uma trégua, finalmente. Mas se a chuva fosse um texto, diria que seria ela um ponto e vírgula. Ouço os pingos caírem de tudo que há lá fora. Desde que era menina, não me lembrava da chuva molhar tanto o calendário de dezembro e janeiro como agora. E dos tempos de menina, tenho as lembranças de brincar nas sarjas da rua, onde corria a enxurrada limpinha como água de bica. Ou no barro visguento das terras vermelhas da mineira Luz, cidade da família materna. Descalços, nós andávamos correndo como doidos, escorregando e levantando em meio às risadas de todos. Agarrávamos na porteira do curral e um dos primos soltava a taramela para fazer a porteira abrir e mandar todos nós curral abaixo. A brincadeira só terminava quando um de nós se machucava, ou quando havia uma rusga. Boas recordações... Hoje cheguei à janela e cantarolei: "ó Deus / será que o Senhor se zangou / e por isso o sol retirou / fazendo cair toda chuva que há..." Fiquei assim, cismando... e no coração rezei baixinho para as nuvens irem passear em outros céus. Não por minha causa, que tenho teto firme. Mas pelos pobrezinhos que estão sendo recolhidos em escolas públicas, pois suas casas estão condenadas. Pelos trabalhadores que precisam de tempo bom para ganharem seu pão. Pelos fazendeiros que plantaram suas roças. Pelos viajantes que precisam das estradas. Pelo povo que está abaixo das represas. Fiquei assim, tomada pela melancolia. Tomara que o sol venha secar as lágrimas do povo sofredor.