De olhos abertos, sempre
Aquela temporada que passei às margens do rio Jordão mudou completamente a minha vida. Eu havia deixado o meu trabalho em Betsaida, na Galileia, para conhecer um tal João Batista, profeta, que estava trabalhando ao longo do Jordão e também nos desertos da Judeia.
Ele era um camarada interessante. Despertou-me a atenção a maneira assertiva como ele se dirigia à multidão que o acompanhava, dentre estes, alguns soldados romanos, sacerdotes do templo, políticos do partido dos fariseus e também dos saduceus e homens comuns do povo.
Ouvi-o, claramente, no enfrentamento aos fariseus e saduceus quando os chamou de "raça de víboras" afirmando que o fato de serem israelitas não os isentava do juízo de Deus por causa da sua religiosidade hipócrita, falsa e mentirosa que servia mais aos interesses do que se poderia chamar de "Alto Clero", do que aos interesses do Eterno conforme preceitos e princípios da Lei de Moisés.
Enquanto lá, conheci também a Jesus de Nazaré e fiquei muito surpreso quando, no dia imediato ao seu batismo, ele se aproximou de mim e me fez o convite para segui-lo na qualidade de seu discípulo. Dali, fomos à Galileia onde ele começou a formar o grupo de doze apóstolos que o seguiriam durante os três anos seguintes.
Pode parecer loucura, mas não pensei duas vezes quando ele me chamou para ser seu discípulo. Juntei-me a Pedro Tiago, João e André e, antes de prosseguir a minha aventura que duraria quase três anos em companhia deles, chamei também o meu amigo Natanael.
Além do Mestre, éramos até então um pequeno grupo de seis discípulos, cada um com as suas aptidões e características individuais. Pensei sobre isso várias vezes, pois se acreditava que o Messias restauraria o Reino de Israel e o Trono do rei Davi, era de se esperar que ele convocasse um grande exército, no mínimo para fazer oposição ao domínio de Roma.
Mas, não foi isso que aconteceu. Na verdade, ele havia despertado em mim e nos outros também, a expectativa de que o Seu Reino se manifestasse dentro de mim, em meu coração.
Eu sempre fui pragmático. Sei que, por muitas vezes até exagero no meu pragmatismo, mas esta é a minha característica pessoal e sou muito grato por ter sido chamado para compor o grupo de discípulos, mesmo sendo tão racionalista e pouco propenso a sentimentalismos extraordinários.
Lembro-me, ainda, daquele dia em que Jesus se propôs alimentar uma multidão enorme, sem que tivéssemos a mínima condição de fazê-lo por absoluta falta de recursos. Aprendi com Jesus, naquele dia, que poderia depositar a minha confiança n'Ele e aguardar a Sua intervenção miraculosa, ao invés de depender, tão somente da minha racionalidade.
O sobrenatural existe. E não estou me referindo a anjos ou demônios, ou a fantasmas gerados em nosso imaginário. Refiro-me, antes, à fé em Jesus, o Filho de Deus que, para cumprir as profecias do Antigo Testamento manifestou-se aos homens com poder acima da compreensão humana, mas também no limite da fé de todos os que creem no Seu Nome.
Chamo-me Filipe. Uso o nome de origem grega, justamente por causa do meu raciocínio lógico. Para qualquer projeto de vida, sempre me deparo primeiro com os números e processos a serem ativados para se chegar a algum final bem sucedido.
Claro que isso é bom e necessário para iniciar qualquer empreendimento, mas não é o suficiente para desenvolver atividades ou realizações que se encontram além da compreensão humana.
Veja! Certa feita, chegando em Cafarnaum e estando em casa, uma grande multidão se aproximou do lugar onde estávamos, dentre eles quatro amigos transportando em sua maca um indivíduo paralítico. Não podendo abrir caminho no meio da multidão, subiram ao telhado da casa, descobriram-no parcialmente e baixaram a maca e o paralítico bem no centro da sala onde nos encontrávamos reunidos.
Jesus, então, lhe disse: "Filho, os seus pecados estão perdoados!" Foi duramente criticado por isso, pelos mestres da Lei que se encontravam presentes.
Foi quando Jesus lhes disse: "Por que tanta maldade em seus corações? O que é mais fácil dizer? Estão perdoados os seus pecados? Ou dizer, levante-se, pegue a sua maca e vai para casa? Ao falar isso dirigindo-se ao paralítico, este se levantou, assombrosamente, pegou as suas coisas e saiu da casa, andando como se nunca tivesse sido um paralítico.
Ao observar o ocorrido, pensei: Aí está a diferença entre o que é simplesmente racional e o que é sobrenatural!
Você consegue perceber, como eu, a diferença entre as duas coisas? Veja:
Quantas vezes, passando pelas ruas da nossa cidade e vendo de perto as necessidades urgentes dos nossos semelhantes, chegamos até a desdenhar das suas carências dizendo-lhes simplesmente: "Deus te abençoe"?
Que espécie de religião é esta que não consegue, e muito menos se esforça para minimizar ou resolver o problema das carências dos nossos semelhantes que se encontram diante dos nossos olhos?
Numa demonstração da sua autoridade espiritual para perdoar pecados, Jesus provou ter poder para realizar a cura do homem necessitado, e foi isso que Ele decidiu fazer por aquele homem transformando a sua realidade existencial.
E, então, eu fico pensando comigo mesmo: "Não quero fazer parte ou me comprometer com uma religião que prometa o céu para as pessoas, mas que é incapaz de tirá-las do inferno que vivem nessa terra por causa da injustiça e da opressão dos homens!"
E você? Qual é o seu pensamento a respeito disso?
Não há dúvida de que é mais fácil usar a racionalidade para simplesmente dizer ao necessitado "Deus te abençoe", dar-lhe as costas e prosseguir na religiosidade mórbida e hipócrita.
Mas, será que é isso mesmo que significa ser discípulo de Jesus? Não do Jesus histórico, como um conto da carochinha, mas do Jesus Emanuel que significa Deus Conosco ou, Deus Presente e inserido nas realidades humanas!
Ao pensar sobre isso, o que você pretende fazer para mudar, na sua vida, a disposição de manter os olhos bem abertos às necessidades das pessoas que se encontram ao seu redor e ao seu alcance?
Pr. Oniel Prado
Verão de 2022
09/01/2022
Brasília DF