O Dilema do Espelho

A necessidade de aparentar supostas vitórias a todos nunca foi tão proeminente, e isso se observa cotidianamente, quando um mar de pessoas tenta sobrepor irrelevâncias em relação à própria realidade. Isso está enraizado na sociedade e em sua forma de agir como um todo, pois, em uma situação onde há múltiplas incertezas, muitos procuram ser precursores do “ideal”, embora não consigam aceitar a si próprios frente a um espelho.

“Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil. Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, indesculpavelmente sujo. Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante. Que tenho sofrido enxovalhos e calado. Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda. Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas. Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. Toda a gente que eu conheço e que fala comigo, nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho. Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana, que confessasse não um pecado, mas uma infâmia. Ó príncipes, meus irmãos... Estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?”

Este trecho do “Poema em Linha Reta”, de Fernando Pessoa, ilustra como o falso dever em demonstrar conquistas, em detrimento das derrotas, afeta os comportamentos humanos, os quais, predominantemente, estão longe dos ideais exemplares de condutas. No entanto, não são esses atos falhos os feitos enobrecidos quando se está querendo caracterizar a si próprio para outrem, pois o ser humano pouco ganha demonstrando ser frágil como realmente é.

Se fôssemos, de forma coletiva, comparados a um paciente, seríamos diagnosticados em estado psicológico terminal por tais atitudes, sem dúvidas. Entretanto, alguns suspiros ainda podem significar doses de mudanças para quem se inspirar em verdadeiras essências, sem anúncios espalhafatosos ou concepções do inexistente. Portanto e, derradeiramente, questiona-se: Prevalecerá a aceitação do ser humano que há em nós? Ou o hábito de lustrar falsas coroas ante a plateia continuará?