Banda podre 🔵
Vendo especiais e clipes de bandas de rock, o que mais me chamou a atenção foi o estilo de vida. No entanto, isso parecia uma realidade muito distante para quem, naquela época, não tocava sequer violão e vivia na periferia. Mas acabou acontecendo muito por acaso, inesperadamente.
Certo sábado, fui direto do quartel para a garagem onde os incipientes músicos estavam produzindo um som que lembrava alguma música. Resolvi ficar, esperando descer o lanche da tarde. A refeição não aparecia, então peguei o microfone e gritei umas canções militares velhas de guerra, literalmente. Meio que fazendo galhofa, soltei uns grunhidos guturais. O estilo punk, com a farda verde-oliva e eu cantando hinos militares, podiam soar como protesto. Sem saber, acabara de realizar minha matrícula como vocalista da banda.
Alguém, por falta de critério, achou aquilo legal. Não sei, mas aquela formação “coxinha” não merecia ser colocada em cima de um palco, faltava punch. Aquilo parecia mais uma boyband do Gugu, tipo Dominó ou Polegar. Mas era o que tínhamos, afinal, as coisas foram acontecendo sem programação.
Houve algumas mudanças na formação. Eu comecei a imaginar os frutos que viriam com a vida louca de um rockstar. Só poderia haver benefícios. Como naquele desenho do Pica-pau, comecei a imaginar: dinheiro, mulheres, automóveis, iate, mansão... Só que não foi bem assim.
Os inúmeros ensaios eram a confissão de que faltava preparo para encarar uma plateia. Até que chegou um dia que não havia escapatória. Haveria o show de aniversário de um grupo de pagode (anos 90). Apenas tocariam grupos de pagode e nós de rock. Imaginei que automaticamente emitiria meus trinados como a voz aveludada do Roberto Carlos. Mas o público brasileiro não estava preparado para o meu estilo..., digamos, conceitual.
Cantar para uma plateia sedenta por pagode foi um batismo de fogo. No fim, o tostão da minha voz foi menos importante que estar naquele palco gritando qualquer coisa. Pronto, aí estava o segredo que me acompanharia nos outros shows e substituiria a falta de talento para cantar e a ausência de bons equipamentos: atitude — para disfarçar a timidez — e fazer caras e bocas.
Nessa toada, de show em show, seguimos nos comportando como uma banda mainstream. A parte boa, mas também a roubada, fizeram parte do dia a dia, mas compensava. Na nossa região, tinha uma cena musical e, com alguma originalidade, fazíamos parte dela.
▪️Não destruímos nenhum quarto de hotel, porque não nos hospedamos em nenhum;
▪️ninguém alegou crise criativa por abuso de drogas, porque éramos caretas;
▪️não cancelamos nenhuma turnê por falta de toalhas brancas, porque não tínhamos frescura — se tivesse papel toalha, tava ótimo — e não nos afastamos da Grande São Paulo;
▪️ninguém arrebentou um automóvel no poste, porque todos dirigiam com cuidado;
▪️ninguém se internou numa clínica de reabilitação de alcoólatras, porque todos os integrantes da banda só bebiam socialmente.
Naturalmente, os compromissos de cada um foram ganhando prioridade nas agendas, por isso os ensaios foram escasseando. O grupo encerrou suas atividades por falta de ocorrências policiais. A banda acabou do jeito que começou: de repente.