Coisas do metrô

(reedição)

Milhares e milhares de sonhos encaixotados e amontoados numa grande estação. Presos às cabeças que circulam freneticamente como as saúvas de um grande formigueiro. Empurra-empurra sem planos, forçando a lógica para alcançar destinos distantes, que vão passar por várias outras estações, integrando casa ao trabalho e o mundo.

Mundo em preto e branco para os mais exigentes e a cores para quem precisa de pouco.

Amassa aqui, amassa ali. A senhora olha invocada. Um desculpe-me. E tudo fica em paz.

Na próxima estação tem mais. Entra cem sai dez. Os sonhos diminuem e o espaço físico também. Realidade. Entra mais vinte e tudo continua bem.

O barulho do moderno trem emerge com a bandeira do progresso.

Hoje a viaje está tranquila. Entrei de costa para aproveitar um pequeno espaço na porta. Tática que sempre dá certo. Depois de duas ou três estações dá para virar o corpo.

Ah! Quanta gente bonita. Percebe-se que são estudantes. Trabalhadores. Aposentados. Têm gente indo para a missa. Gente boa essa gente do trem.

Dia desses, quando os vagões ficaram quase cheios, o ombro de um apoia o outro. Nem precisa se segurar. Porque a pressão de um corpo ao outro é tão grande que não existe a menor possibilidade de cair e, muito menos movimentar um dedo.

Neste clima, viajei por duas ou três estações segurando as doces mãos de duas senhoras-acho que tinham aproximadamente oito décadas de vida cada uma. Uma delas estava apavorada e começou a passar mal – pressão alta. Mas graças ao bom Deus conseguiu seguir ao seu destino e, para minha alegria, cobriu-me de elogios e agradecimentos, quando desceu.

Coisas do Metro. Tem tantas outras estórias...

É fácil identificar os jovens. Falantes e de voz forte e alta. Não gostam do silêncio.

O sexo feminino defende-se o tempo todo de maldosas aproximações. Penso que pensam – mais um aproveitador.

E o trem continua. É mágico. O vagão que estava lotado – entupido de gente continua abrindo as portas. Mais gente vai entrando. Empurra-se daqui e dali e tudo dá certo.

Dia desses, me encantei com uma garota. Linda! Coisa do mundo das modelos. E, não sei por que, iniciamos uma conversa.

Sinceramente fiquei espantando. Ninguém gosta de conversar com desconhecido. Mas neste caso, nem eu comecei, nem ela. Parecia coisa do destino.

Ela, segundo suas palavras, formada em psicologia e pensando em fazer mestrado. Bonita. Boa conversa.

Veio de um estado acima da Bahia. Continuava indo lá vez ou outra. Mas era apaixonada por São Paulo.

Seu carro estava na oficina. Mas, também nem sempre o usava para o trabalho. Era mais rápido, e em conta andar de metrô. Fizera esse cálculo várias vezes...

Muito simpática. Tão simpática que confesso. Comecei a imaginar coisas. Provavelmente eu teria pouco mais de uma década e meia a mais que ela. Por que não? Comecei a imaginar coisas...

O trem “engole” as pessoas e as estações de maneira muito rápida. Tem que estar em alerta. Segundos para embarcar e desembarcar.

O papo ficara interessante e eu não enxergava mais nada. Vi de relance outras garotas bonitas entrando e saindo do trem. Mas foi tão de relance que nem sei dizer se eram loiras ou morenas.

A conversa prometia. Brincando um pouquinho de anatomia posso afirmar que ela tinha um metro e sessenta nove de altura, olhos azuis, pareciam artificiais de tão belos. Corpo proporcional com linhas bem definidas. Vestida para o ataque. Vestida com o que dita a moda.

Seus dentes brancos como a carne de um coco. Perfumada com suavidade. Contraste com o cheiro do vagão – insuportavelmente pesado.

Ela era a graça feminina em pessoa e tinha se engraçado comigo. Na verdade, eu não queria acreditar, mas já acreditando tornei-me um adolescente. Revelei-me a cada estação que a máquina vencia.

Estado adolescente. Nervoso, com ideias e ideias. Presa fácil nesta cidade grande. Sim eu, tinha virado uma presa muito fácil pela simples possibilidade de conquistar uma garota tão linda e mais nova. Aliás, será que eu é que a estava conquistando?

Comecei a ficar mais atento. Minha estação já estava próxima. Perguntei a ela – onde você desce?

Desço na próxima estação. Que coincidência, afirmei. Eu também.

Quem sabe podemos conversar um pouco mais? Quem sabe, ela respondeu!

Têm parentes por aqui, perguntei. Mais ou menos disse ela.

O trem parou pontualmente. Descemos e fomos jogando conversa fora na escada rolante.

Passamos pela catraca e brincamos. Saímos vivos de mais uma viajem. Sorrimos juntos.

Só quem toma o metrô no horário de pico poderia entender nosso sorriso...

Na passarela ela insistiu em continuar a conversa.

Vem comigo. Para meu espanto subimos a rua “batendo um papo” muito descontraído.

Meu coração disparou em uma mistura de alerta e desejo.

Já não tinha mais idade para acreditar em papai Noel.

Fui seguindo o som da conversa.

Perto da esquina onde bate os dados do destino o convite.

Ela parou e com um sorriso sedutor apontou uma casa com uma luz vermelha na porta.

Vamos tomar uma bebida no meu verdadeiro trabalho. Mas você disse que era psicóloga. De formação disse ela, mas não exerço a profissão.

Durante o dia sou recepcionista para ter carteira assinada e a noite...

Ganho dinheiro mesmo é ali, na casa onde a luz vermelha , vermelha como meu coração.

É o meu segredo e só contei para você.

Vamos gato! Vamos tomar um drink. Você vai adorar...

jaeder wiler
Enviado por jaeder wiler em 10/01/2022
Reeditado em 10/01/2022
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